Baixa escolaridade e falta de assistência técnica prejudicam produção de feijão crioulo no Juruá

A excelência nutricional das sementes crioulas do Acre é confirmada pela ciência, mas o setor exige organização cooperada e investimento em capacitação para garantir renda e segurança alimentar à população jovem do campo

Cultivo de feijão crioulo em Marechal Thaumaturgo revela potencial nutricional e econômico, mas carece de assistência técnica e apoio cooperativo.

Um recente diagnóstico socioprodutivo realizado no município de Marechal Thaumaturgo, no Acre, lança luz sobre a importância econômica e cultural da produção de feijão na região. O estudo, que envolveu 100 produtores, revela que o cultivo é fundamental para a segurança alimentar, mas expõe vulnerabilidades sociais e produtivas que afetam a competitividade e a capacidade de adoção de práticas mais sustentáveis.

A pesquisa revela uma força de trabalho predominantemente jovem, mas que carece de suporte e organização, um fator crucial para transformar o potencial do feijão crioulo em uma cadeia de valor justa.

O perfil do produtor e os desafios estruturais

O estudo consolidou as descobertas em um único panorama, revelando os grandes desafios que a nova geração de agricultores da região do Juruá precisa superar.

Quadro 1: Panorama Socioprodutivo e de Manejo do Agricultor Familiar (Marechal Thaumaturgo, N=100)

Indicador Social Detalhe (%) Indicador Produtivo e de Manejo Detalhe (%)
Geração Ativa (18 a 45 anos) 65% Finalidade da Produção Principalmente Autoconsumo
Baixa Escolaridade (Nunca Frequentou) 62% Sistema de Cultivo Sistema Agrícola Tradicional (SAT)
Predominância de Gênero 69% (Masculino) Consorciação Comum Feijão-comum, Milho e Mandioca
Ausência de Assistência Técnica (AT) 59% Prática Conservacionista Mais Citada Pousio (Descanso da Terra)
Adesão a Cooperativas Apenas 11% Comercialização Predominantemente local e informal
Principal Fonte de Informação 41% (Rádio) Agente de Comercialização Principal Intermediários (Atravessadores)
Fonte: Quadro de pesquisa (Marechal Thaumaturgo, N=100)

Quadro 2: Detalhamento Produtivo das Principais Culturas na Várzea

Cultura Área Média de Cultivo Período de Colheita Típico Mercado Principal de Escoamento
Feijão-Comum (Crioulo) Pequena Escala (1 a 2 ha/família) Maio a Julho (Início da Seca) Autoconsumo e Intermediários (Atravessadores)
Feijão-Caupi (Várzea) Pequena Escala (1 a 2 ha/família) Junho a Agosto Autoconsumo e Intermediários (Atravessadores)
Milho Pequena Escala (0,5 a 1 ha/família) Junho a Setembro Autoconsumo e Mercado Local
Mandioca Pequena Escala (0,5 a 1 ha/família) Colheita Perene (Ano Todo) Autoconsumo e Farinheiras Locais
Fonte: dados fornecidos

Análise Integrada: o desafio da produção em modo de subsistência

A análise dos indicadores e o detalhamento produtivo mostram que o feijão, apesar de ser cultivado majoritariamente por um público jovem, opera em um modelo de subsistência e enfrenta gargalos críticos no manejo e na comercialização. O cultivo ocorre predominantemente em áreas de Várzea (terrenos de cheia e vazante), o que impõe desafios únicos de manejo relacionados ao ciclo hidrológico.

1. Modelo Produtivo Tradicional e Sustentabilidade: O Sistema Agrícola Tradicional (SAT), focado principalmente no Autoconsumo e na consorciação clássica (Feijão, Milho e Mandioca), domina a paisagem produtiva da Várzea. As áreas de cultivo, conforme o Quadro 2, demonstram o caráter de subsistência e pequena escala do agricultor familiar. A única prática conservacionista amplamente citada é o Pousio – o descanso da terra –, indicando que o manejo se baseia em saberes ancestrais, mas carece da incorporação de técnicas modernas, como os Sistemas Agroflorestais (SAFs), para otimizar o uso do solo e aumentar a produtividade por área.

2. Barreira de Conhecimento e Assistência Técnica: a alta taxa de Baixa Escolaridade (62%) e a Ausência de Assistência Técnica (59%) criam um ciclo vicioso. O produtor tem dificuldade em acessar ou implementar inovações técnicas, como manejo de pragas e doenças, o que limita a produtividade e a rentabilidade do cultivo, mantendo-o preso à informalidade.

3. Vulnerabilidade na Comercialização: O modelo produtivo de subsistência é reforçado pela baixa organização do setor: apenas 11% dos produtores estão associados a cooperativas. Isso resulta em uma Comercialização predominantemente informal e local, onde o intermediário (atravessador) se torna o principal agente de escoamento, conforme detalhado no Quadro 2. O atravessador, ao controlar o preço, absorve grande parte do valor agregado do produto, impedindo que o agricultor familiar acumule capital para investir em melhorias produtivas ou em certificação.

Viabilidade Econômica do Sistema Integrado: Apesar dos desafios socioprodutivos, a análise econômica da produção familiar integrada — que envolve o feijão, o milho e a farinha de mandioca — demonstrou ser financeiramente viável no Vale do Juruá. O ciclo produtivo, que alcança em média 600 Kg/ha de feijão, 35 sacos de milho e 30 sacos de farinha, gera um excedente econômico anual de R$ 4.688,39 por hectare. Este balanço positivo se traduz em uma remuneração de R$ 139,31 por dia de trabalho para a mão de obra familiar, valor que sublinha a importância da atividade como ferramenta de erradicação da pobreza e sustentação econômica no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Potencial de Superalimento: a chave para uma cadeia de valor justa

Pesquisas recentes revelaram que o feijão crioulo do Juruá não é apenas uma commodity, mas um Superalimento Funcional. Variedades tradicionais, como ‘Costela de Vaca’ e ‘Manteiguinha Branco’, apresentam picos de proteína de até 27%, superando a média mundial e ostentando alta concentração de antioxidantes.

Para que esse diferencial científico se traduza em renda, é urgente a consolidação cooperativa. A organização dos produtores é a única via para:

1. Garantir Preço Premium: Negociar com mercados de nicho (alimentos saudáveis, nutracêuticos) que valorizam a alta qualidade nutricional.

2. Obter Certificação e Selo de Origem: Buscar uma Indicação Geográfica (IG) para proteger e agregar valor à marca “Feijão Crioulo do Juruá”, transformando a biociência em valor de mercado. Em suma, o diagnóstico aponta que o futuro do feijão no Juruá depende de uma sinergia entre ciência e organização social, onde o status de superalimento e a força da cooperativa traduzam a excelência da agrobiodiversidade em um desenvolvimento local equitativo e sustentável.

*Dados baseados em: Tese de Doutorado “Avaliação de Variedades Crioulas de Feijão do Juruá” (Prof. Guiomar Almeida Sousa), e no Diagnóstico Socioprodutivo das Variedades de Feijão Caupi e Feijão Comum no Município de Marechal Thaumaturgo – AC (Márcio Muniz Albano Bayma et al.). A análise de renda baseia-se na Avaliação Econômica da Produção Integrada de Feijão, Milho e Farinha de Mandioca no Vale do Juruá, com dados atualizados para 2025.

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