Desperdício e inflação: Perdas de 30% da produção impactam o prato do consumidor

Estradas precárias e logística deficiente elevam perdas agrícolas e pressionam a inflação de alimentos.

Rubicleis G. Silva
Estradas precárias e logística deficiente elevam perdas agrícolas e pressionam a inflação de alimentos.

O Brasil consolidou seu papel como um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Contudo, um paradoxo assombra o agronegócio: cerca de 30% da produção agropecuária nacional é perdida entre o campo e as gôndolas dos supermercados. Esse volume, equivalente a 40 milhões de toneladas de alimentos por ano, seria suficiente para alimentar 30 milhões de pessoas. Além do custo social, o desperdício pressiona os preços dos produtos e contribui para a inflação de alimentos, que respondeu por 34% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2024 no Brasil e 37% em Rio Branco.

Os fatores que explicam as perdas são múltiplos e refletem desafios históricos. Um dos principais é a péssima manutenção de estradas e ramais, especialmente em regiões agrícolas. Cerca de 60% da malha rodoviária brasileira é considerada inadequada, com estradas esburacadas e não pavimentadas, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT). Esse cenário prolonga o tempo de transporte, expõe cargas a intempéries e causa avarias em frutas, grãos e hortaliças.

A isso soma-se uma logística de transporte deficiente, ainda excessivamente dependente de caminhões (responsáveis por 65% do escoamento), em detrimento de ferrovias e hidrovias. Enquanto países como os EUA utilizam 25% da matriz em ferrovias, o Brasil não ultrapassa 15%, elevando custos e riscos. Além disso, temos:

  • a. Falta de infraestrutura de armazenagem: Apenas 30% das propriedades rurais possuem silos adequados, obrigando produtores a estocar grãos a céu aberto.
  • b. Tecnologia insuficiente: Métodos de colheita ultrapassados e pouca adoção de embalagens inteligentes aceleram a deterioração.
  • c. Ineficiência na comercialização: Perdas em centrais de distribuição e no varejo chegam a 15%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Estudos afirmam que reduzir as perdas em 50% poderia diminuir os preços dos alimentos em até 10%. Isso ocorreria em função do aumento da oferta efetiva, equilibrando a relação entre demanda. Logo, podemos concluir que: a redução desperdício é uma política de combate à inflação sem precisar elevar juros.

O impacto da taxa de juros (Selic) sobre a inflação de alimentos é limitado, já que o problema é estrutural, não monetário. Enquanto o crédito mais caro afeta o consumo de duráveis, por exemplo, os alimentos respondem a gargalos de produção e logística. Portanto, políticas públicas focadas em infraestrutura e tecnologia teriam efeito direto: estimativas do Banco Central sugerem que cada 1% de redução no desperdício poderia diminuir a inflação alimentar em 0,3 pontos percentuais.

Resolver o desperdício no agronegócio não é apenas uma questão de eficiência econômica, mas de segurança alimentar e controle inflacionário. Enquanto o país debate o papel dos juros, investir em estradas, armazéns e transporte multimodal surge como uma solução concreta para desatar o nó que encarece o prato do brasileiro.

Para enfrentar o desafio do desperdício no agronegócio, é necessário que os atores envolvidos na concepção e implementação de políticas públicas para o setor, incluindo: produtores, agentes de comercialização, governos municipais, estaduais e federal, harmonizem esforços em um diálogo multissetorial. A construção de uma estratégia eficaz exige, primeiramente, a elaboração de um diagnóstico abrangente, capaz de mapear as lacunas estruturais e operacionais que perpetuam as perdas. A partir desse levantamento, torna-se viável desenhar mecanismos coordenados e políticas públicas de médio prazo, alinhadas a metas claras de redução de desperdícios e ganhos de eficiência em toda a cadeia produtiva.

A inflação dos alimentos está diretamente ligada a variáveis exógenas ao ciclo de juros. Como bem ilustra a expressão popular, “São Pedro”, metáfora para os caprichos climáticos, permanece indiferente às variações da taxa Selic. A elevação do custo do crédito, embora relevante, mostra-se incapaz de resolver gargalos logísticos, melhorar estradas ou otimizar técnicas de armazenamento. Combater a alta dos preços de comida demanda intervenções concretas na infraestrutura e na gestão produtiva, não ajustes monetários. Essa é uma lição elementar, reiterada até mesmo nas páginas introdutórias dos manuais de economia: problemas estruturais exigem soluções estruturais.

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