Óleos essenciais obtidos de plantas cultivadas na Amazônia demonstraram eficácia no combate a parasitas que atacam principalmente as brânquias do tambaqui (Colossoma macropomum), o peixe nativo mais cultivado no Brasil. A descoberta, resultado de pesquisas realizadas pela Embrapa, oferece uma alternativa natural ao uso de produtos químicos tradicionais (quimioterápicos), com potencial para transformar práticas na piscicultura brasileira.
O estudo avaliou a ação de óleos essenciais extraídos de três espécies do gênero Piper: P. callosum, P. hispidum e P. marginatum. As duas primeiras mostraram resultados significativos na redução da infestação por vermes monogenéticos nas brânquias dos peixes, enquanto a terceira espécie não apresentou a mesma eficácia terapêutica.
Coordenado pelo pesquisador Marcos Tavares Dias, da Embrapa Amapá e em parceria com a Universidade Federal do Amapá (Unifap) e a Embrapa Amazônia Ocidental (AM), o estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em Edital Universal.
Plantas presentes no bioma Amazônia
As três espécies de plantas – P. callosum, P hispidum e P. marginatum – cujo óleo essencial foi utilizado nesse trabalho, foram cultivadas na Embrapa Amazônia Ocidental em Manaus (AM), sob responsabilidade do pesquisador Francisco Célio Chaves (foto à esquerda).
No local, é feito o estudo agronômico com essas espécies para sistemas de cultivo, como produção de mudas, plantio, adubação, irrigação, e na fase reprodutiva as plantas são cortadas e levadas à secagem para que os materiais vegetais sejam preparados para destilação e purificação dos óleos essenciais no Laboratório de Plantas Medicinais e Fitoquímica da Embrapa Amazônia Ocidental. Os óleos obtidos foram enviados para Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro, onde o pesquisador Humberto Bizzo fez as análises da composição química dos componentes majoritários de cada óleo, por cromatografia gasosa, conforme explica Chaves.
O pesquisador explica que a família Piperaceae está presente na flora do bioma Amazônia e apresenta uma diversidade de moléculas químicas de comprovada atividade biológica. “A partir dessas análises da composição, a gente conhece que substâncias químicas majoritárias que compõem esses óleos essenciais, que passam a ser testados na piscicultura para o controle de doenças parasitárias, ou também são testados no uso em controle de pragas e doenças em vegetais e outros animais”.
Alternativa aos produtos químicos
Marcos Tavares Dias (na foto à direita), os parasitas combatidos — vermes monogenéticos — costumam se fixar nas brânquias dos peixes, comprometendo a respiração e prejudicando a produção da piscicultura. O controle tradicional envolve produtos químicos tais como formalina, organofosforados, albendazol, entre outros produtos. Apesar de eficazes, esses produtos químicos apresentam riscos à saúde dos trabalhadores que os manipulam, além de impactos ambientais e possibilidade de seleção de parasitas resistentes.
“Os óleos essenciais vêm ganhando espaço mundialmente como alternativa mais segura e sustentável”, relata o pesquisador. “O uso contínuo de quimioterápicos pode favorecer a resistência dos parasitas. Já os óleos, além de eficazes, não apresentaram toxicidade para os peixes nas doses testadas e não oferecem riscos à saúde dos trabalhadores, compara o cientista.
Banhos terapêuticos
Nos testes laboratoriais, os peixes foram submetidos a banhos terapêuticos com diferentes concentrações dos óleos. O óleo de P. callosum foi aplicado em banhos de 20 minutos cada, com 24 horas de intervalo entre eles . Já o óleo de P. hispidum foi utilizado em três banhos de uma hora cada, com 48 horas de intervalo entre banhos. Em ambos os casos, houve significativa redução na infestação parasitária nas brânquias dos tambaquis.
As análises, realizadas com microscopia eletrônica de varredura, mostraram que os componentes químicos dos óleos alteram a estrutura da membrana dos parasitas, comprometendo sua fixação nas brânquias e facilitando sua eliminação. A segurança dos tratamentos foi confirmada pela ausência de mortalidade nos peixes durante os experimentos.
Plantas usadas por comunidades da região
O gênero Piper é um dos mais diversos da flora amazônica, com cerca de 400 espécies conhecidas no Brasil. Muitas dessas plantas são tradicionalmente usadas por comunidades da região como remédios naturais, o que reforça seu potencial para inovação na agricultura e na saúde animal.
A pesquisa reforça ainda a importância do manejo preventivo de doenças causadas por monogenéticos em peixes na piscicultura. Práticas como quarentena, controle da densidade dos peixes nos tanques e monitoramento da qualidade da água são essenciais para evitar surtos de doenças e reduzir prejuízos na produção. O controle de parasitas pode representar até 22% dos custos totais de cultivo, o que torna o uso de soluções naturais ainda mais estratégico.
A expectativa dos cientistas é que os resultados sirvam de base para orientar técnicos e piscicultores no uso desses óleos como alternativa aos tratamentos quimioterápicos. A proposta está alinhada aos princípios de uma piscicultura mais sustentável, em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 8, que promove o crescimento econômico sustentável e trabalho decente.
Apesar dos avanços, os pesquisadores alertam que ainda é necessário enfrentar desafios, como a disponibilidade e o custo da produção dessas plantas medicinais em larga escala. Para que essas alternativas se tornem viáveis na prática, será preciso estabelecer diretrizes de uso sustentável e regulamentação específica para sua aplicação na aquicultura, bem como a validação destes resultados em tanques de piscicultura.
(Texto de Dulcivânia Freitas, da Agência de Notícias da Embrapa)
Foto: Jefferson Christofoletti