Uma pergunta ronda a “pecuária acreana”

Mesmo após reconhecimento sanitário internacional, o pequeno pecuarista acreano segue sem apoio efetivo do poder público e corre risco de exclusão da cadeia produtiva.

Itaan Arruda
Maioria dos produtores da região possui até 100 cabeças de gado. Foto: Val Fernandes/Assecom PMRB

A política pública do Acre voltada para a pecuária precisa de atenção. Ou, dito de outra forma: a Política precisa observar com mais atenção a pecuária regional. Aqui é preciso fazer um recorte claro quando se fala em “pecuária acreana”. É necessária uma delimitação.

Fala-se aqui não dos 5% dos pecuaristas regionais que possuem mais de 500 cabeças de gado na propriedade. A “pecuária acreana” da qual se buscará tratar guarda relação com o pecuarista que possui até 100 cabeças de gado na propriedade (74% dos produtores); ou daquele produtor que possui até 500 cabeças de gado (95% dos pecuaristas do Acre). Estes dois últimos grupos precisam de cuidado.

A semana passada trouxe um episódio histórico para a pecuária do país: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, em Paris, na sede da Organização Mundial de Saúde Animal, o diploma que certifica o Brasil como Zona Livre de Febre Aftosa Sem Necessidade de Vacinação. É a mais alta classificação sanitária no mundo.

Não é a vitória de um governo específico. É a vitória de um processo que remonta aos anos 60. De lá para cá houve avanços e recuos de toda ordem. Mas a vitória veio. A diplomação celebra o processo.

O pequeno pecuarista continua com os problemas de falta de regularização fundiária e brigando com a legislação ambiental, acumulando embargos

Pegando este episódio da diplomação em Paris como mote, o site ac24agro faz a seguinte pergunta: o que, de fato, mudou para o pequeno pecuarista acreano com as classificações sanitárias?

É preciso lembrar que a primeira mudança de classificação veio em 2007, com a diplomação do Acre como Zona Livre de Aftosa Com Vacinação. Foi uma festa. Celebrada e merecida, sem dúvida. Passados 14 anos, em 2021, veio o ápice: o Acre, finalmente, chegava ao topo do processo. Integrou, junto com Rondônia e os três estados do Sul, o seleto grupo classificado como Zona Livre de Aftosa Sem Necessidade de Vacinação.

Não se sabe por qual motivo, o Governo do Acre recebeu o informe com uma discrição estranha, diante de tamanha vitória. A impressão que passou foi a de que o governo não tinha dimensão do que aquela conquista representava. O fato é que o Acre estava no topo da atividade pecuária no país.

A pergunta feita pelo ac24agro persiste. Isso mudou a estrutura da atividade pecuária no Estado? Essa pergunta é importante porque ela não dialoga com as questões relacionadas a preço de arroba ou às polêmicas em torno da “pauta do boi”. E é justamente neste ponto do debate que reside a falta de política pública para a pecuária.

Nos anos 90, os pecuaristas criaram o Fundo de Desenvolvimento da Pecuária (Fundepec) e o Governo do Estado, pressionado, criou o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf). Era evidente que esse movimento impactaria não apenas no aumento do plantel, mas na qualidade também. Os investimentos na melhoria da genética do rebanho eram evidentes. Investe quem tem capital. E, claro, não é o caso do pequeno produtor.

Veio o “Governo da Floresta” e a pecuária caminhou junto, com arengas, conflitos, avanços, recuos. A Federação da Agricultura e Pecuária se consolidou como representante do setor e fez a boa política. Foi a época da elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico. Os representantes da pecuária estavam lá, ajudando, estabelecendo referências de um segmento já consolidado na economia local. E o Governo do Acre soube respeitar isto.

A rastreabilidade e os mecanismos de controle podem fazer uma peneira excludente na pecuária regional

Esse histórico é necessário para mostrar que o pequeno pecuarista continuou alijado do processo. Perguntou-se ainda há pouco quais modificações estruturantes ocorreram na pecuária com as mudanças das classificações sanitárias. Quais foram? O pequeno pecuarista continua com os problemas de falta de regularização fundiária e brigando com a legislação ambiental, acumulando embargos. Um após outro.

A negligência do poder público com a “pecuária acreana” agora ganha ares de drama: no momento em que o país inteiro é Zona Livre de Aftosa Sem Necessidade de Vacinação; no momento em que os frigoríficos sifados do Acre se reestruturam; no momento em que o Brasil consegue abertura para comércio da carne bovina em novos mercados, o pequeno pecuarista acreano corre o sério risco de ficar excluído porque não terá a quem vender. A rastreabilidade e os mecanismos de controle podem fazer uma peneira excludente na pecuária regional.

E pior: dependendo da demanda do mercado externo, os pecuaristas mais capitalizados, que hoje necessitam do pequeno produtor como fornecedor de bezerro, podem não mais precisar. É possível que se dediquem ao domínio da cadeia integral, caso a exportação se mostre, de fato, lucrativa. E a pergunta persiste: onde está a Política para acudir o pequeno produtor nesse momento?

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