Entre a água e o fogo: a resistência de Dona Elenice na produção artesanal de farinha no Acre

Com mandioca da várzea e tradição no braço, agricultora do interior do Acre mantém viva a produção artesanal de farinha d’água e conquista espaço nas feiras de Rio Branco.

Luiz Eduardo Souza

No quilômetro 32 da BR-317, sentido Boca do Acre, uma pequena propriedade escondida entre seringueiras e pés de mandioca mantém viva uma tradição centenária da Amazônia: a produção artesanal de “farinha d’água”. Ali, a agricultora Elenice Lima da Silva, de 58 anos, transforma o esforço diário e a sabedoria herdada da mãe em um dos alimentos mais apreciados nas feiras de Rio Branco.

“Eu comecei com minha mãe, que fazia farinha na beira do Iaco, em Sena Madureira. A gente ralava na mão mesmo, até o braço pedir socorro”, relembra Elenice, entre risos. Hoje, com o apoio do esposo e dos dois filhos, ela mantém uma produção que chega a 200 quilos por semana, boa parte vendida na Feira do Produtor Rural da capital.

A “farinha d’água”, diferente da farinha seca, passa por um processo de fermentação e lavagem que a torna mais úmida, crocante e de sabor intenso. “É farinha de respeito. Tem que saber fazer direitinho pra não azedar, tem que saber o ponto do tacho, senão queima”, explica Elenice, enquanto revolve a massa espessa no forno de barro aquecido a lenha.

Todo o processo é feito no quintal: do plantio da mandioca à secagem da farinha no paneiro. A água usada para lavar a massa vem de um igarapé que cruza o terreno. “Eu não uso veneno, é só adubo de galinha e cinza. Nossa mandioca é de várzea, e isso faz toda diferença no sabor”, garante.

Mesmo com a produção artesanal, Elenice já fornece para empórios e restaurantes que valorizam a culinária regional. “Tem gente que diz que a farinha dela parece a de Bragança”, comenta orgulhoso o filho mais novo, Marcos, de 19 anos. A comparação não é pouca coisa — a farinha bragantina, do Pará, é referência nacional em qualidade.

Apesar do sucesso, os desafios são muitos. A falta de apoio técnico, o transporte precário e a concorrência com produtos industriais são algumas das dificuldades enfrentadas por Elenice. “Se tivesse um tratorzinho ou um ralo motorizado, ajudava muito. Mas por enquanto é no braço mesmo.”

O que não falta é disposição. “Enquanto eu tiver força nas pernas e fogo no forno, vai ter farinha d’água aqui”, afirma Elenice, com os olhos brilhando de orgulho.

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