O uso de novas tecnologias nos processos produtivos precisa ser observado com cautela para evitar deslumbramentos e, desta forma, turvar a lucidez. O anúncio de um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) que usa inteligência artificial para estimar a safra da castanha-do-Brasil é algo que impressiona. Mas que, no entanto, exige reflexão na busca daquilo que é essencial.
A pesquisa é resultado da orientação do cientista do Inpa Evandro Ferreira (um dos mais prestigiados pesquisadores em atuação no Acre) no estudo do aluno Henrique Carvalho, da Faculdade de Engenharia Agronômica da Ufac. A pergunta que mobilizou aluno e professor foi a seguinte: “Como se forma o preço da castanha? Quem determina?” Portanto, o elemento causal tem natureza econômica: a formação do preço.
Como um dos fatores elementares da formação do preço é a dinâmica estabelecida pela Lei da Oferta e da Procura, a pesquisa focou atenção especial no fator “oferta”, já que a demanda pelo produto obedece a uma razoável estabilidade. E como medir a oferta?
Com uso de inteligência artificial, eles “treinaram” algoritmos de forma que as imagens registradas por drones em uma determinada região fossem “educando” os números que foram dando respostas não apenas na identificação das castanheiras, mas reconhecendo os frutos (ouriços). Além desse reconhecimento, o algoritmo faz uma estimativa de quantas amêndoas existem em cada ouriço. Desta forma, é possível ter uma estimativa aproximada, com antecipação, de como será a safra da castanha.
Com uma demanda relativamente estável por castanha-do-Brasil no mundo, saber antecipadamente quanto terá a safra é uma ferramenta poderosa. Deter essa informação impacta sobremaneira o ciclo comercial do mercado da castanha.
Um leitor mais cético pode argumentar: “Isso um extrativista experiente já é capaz de prever!”. Não deixa de ser verdade. O “extrativista experiente”, no entanto, limita-se a operar na base do “esse ano vai ser bom para a castanha”; “esse ano vai dar muita castanha”; “esse ano vai ter pouca castanha”; “a lata vai ter preço bom porque vai ter pouca castanha”. A análise do “extrativista experiente” abarca o tanto onde os pés dele estão. A informação global e sistêmica ele dificilmente terá.
O estudo do Inpa ainda está em processo. Deverá ser publicado em revista científica e também estabelecido um protocolo para que o método de aferição possa ser usado como uma ferramenta econômica/ambiental efetiva. Quais os cuidados que essa ferramenta exige? Muitos. Com destaque para a ação do poder público estadual.
Essa ferramenta vai exigir um rigoroso protocolo de divulgação. Diante dessa estimativa de safra, é preciso que uma instância pública com autoridade anuncie o número mágico da safra e as projeções esperadas de como aquele número deve ser recebido no mercado.
É possível que a ferramenta/método criado pelo Inpa não interfira tão forte no mercado quanto se espera? É possível que a antecipação do número da safra de castanha não modifique as bases no ciclo do comércio? Claro que é possível. É preciso saber como o mercado reagirá e como será a acomodação dos diversos atores econômicos envolvidos.
É certo que a estrutura de organização das classes sociais continua a mesma, intacta aliás. Saber com antecipação este ou aquele número não vai reestruturar essas bases das relações sociais dos agentes econômicos envolvidos. O drama é que o comércio preocupa-se pouco com questões de classe. Saber se haverá maior ou menor oferta de um produto tão necessário a uma parte da indústria alimentícia é algo valoroso demais para ser negligenciado por governos e pela classe trabalhadora. Os atravessadores, os comerciantes e os industriários, com certeza, saberão dar valor a essa informação. E, quando o patrão detém um conhecimento que o trabalhador ignora, isso é insumo de um velho roteiro e de uma velha relação. Em tempo de inteligência artificial, para quem carrega saco de castanha nas costas até a beira do rio ou até à margem do ramal, saber quanto tem de castanha em cada ouriço passa a ter outro valor.
