O Café e a Costureira

Projeto viabilizado pela Coopercafé e ABDI transforma Mâncio Lima em referência regional e amplia arrecadação com incentivo fiscal.

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O primeiro aspecto que precisa ser ressaltado do acerto do Complexo Industrial do Café do Juruá é a mobilização da classe dos agricultores de base familiar em torno do café como vetor do crescimento econômico regional. Em Mâncio Lima, não foi a indústria que quis induzir a produção. Foi o agricultor quem apontou a viabilidade e gritou ao Presidente Lula: “Faça que nós garantimos o resto!”. A base produtiva para manter o complexo industrial funcionando é real.

Outro aspecto que precisa ser ressaltado é que o agricultor de base familiar não tinha condições de falar de forma tão decidida ao Governo Federal se não estivesse minimamente organizado. E esse trabalho precisa ser conferido à Organização das Cooperativas do Brasil e derivações, com destaque para a Coopercafé. Aliás, o modelo de organização dos produtores implementado em Mâncio Lima está servindo de referência para outras regiões do Acre. Sena Madureira é um exemplo.

A Assembleia Legislativa e o Governo do Acre também tiveram participação importante. Ainda na Expoacre Juruá do ano passado, foi assinado um termo de acordo entre o Governo do Estado e a Coopercafé que formalizou a concessão de incentivo tributário de generosos 95%. Praticamente, o Estado abre mão de receber impostos, como forma de incentivar a produção local. Para que houvesse essa recusa de receita, foi necessária a aprovação do parlamento.

A personagem principal que serviu como uma espécie de costureira de todo esse processo foi a diretora executiva da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Perpétua Almeida. Dos R$ 10 milhões aplicados no projeto, R$ 8,5 milhões foram garantidos pela agência federal. O restante foi contrapartida da cooperativa.

O mérito de Perpétua Almeida foi perceber a viabilidade do empreendimento. Bem assessorada e bem informada do segmento, pegou da linha e da agulha e tratou de coser relações. Não se efetiva um empreendimento dessa envergadura com apenas dois telefonemas. A ex-deputada deu demonstrações de possuir um perfil para executar política pública com rara desenvoltura. Poderia se acalmar nos corredores da burocracia de uma agência estatal, mas decidiu fazer diferente. Perpétua teve sensibilidade de uma costureira refinada, mas é preciso algum cuidado a partir de agora.

É necessária vigilância, por exemplo, em fazer com que o capital criado a partir da produção do município de Mâncio Lima circule ali e gere riquezas ali. É um trabalho para os economistas e administradores do sistema de cooperativas. Caso esse ponto não seja observado com cuidado, a agulha pode pegar rumo errado. Cruzeiro do Sul, naturalmente, tende a concentrar essa riqueza, inclusive porque terá ela também uma unidade de beneficiamento. De acordo com que os técnicos da própria ABDI divulgaram, Mâncio Lima já teve aumento 44,5% na arrecadação só com a viabilização do empreendimento. A tendência é que aumente mais.

Outra vigilância é algo próprio de quem planta. Não é algo específico do Acre ou de Mâncio Lima. Trata-se de observar as prevenções necessárias de uma commodity tão sensível e com preço cotado bem longe das barrancas do Juruá. O café brasileiro, incluindo com a nova demanda chinesa, está em alta no mundo. É preciso lembrar que o Vietnã, após as enchentes destruidoras de plantações, volta ao jogo logo logo. Quais costuras serão necessárias para suportar um tecido tão pesado a partir disto?

Na cerimônia de inauguração, a nota de lamento é de ordem política e simbólica. A ausência da ministra da Ciência, Tecnologia, e Inovação, Luciana Santos, não gera tanta frustração. A do governador do Estado tem outro peso. Até o encerramento deste texto, nenhuma referência nas redes sociais. Lamentável. Um evento tão bem conduzido e tão popular, ele teria se sentido confortável. Na relação entre café e costuras, a impressão que dá é que ele não tinha roupa para a cerimônia.

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