Ataque de onça no Pantanal reacende debate sobre convivência entre humanos e grandes felinos

Jorge Álvaro, de 60 anos, morreu em área rural de Aquidauana (MS). Especialista afirma que ataques são raros e reforça: “A onça não é vilã. Precisamos de mais conhecimento e menos medo”.

Luiz Eduardo Souza
Onça-pintada é o maior felino das Américas e espécie símbolo da conservação no Brasil. Ataques a humanos são extremamente raros, segundo especialistas. Foto: Reprodução.

O caseiro Jorge Álvaro, de 60 anos, morreu após ser atacado por uma onça-pintada na manhã de segunda-feira, 21 de abril, por volta das 5h30, na região conhecida como Touro Morto, entre os rios Miranda e Aquidauana, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. O corpo da vítima foi encontrado cerca de 300 metros da casa onde ele vivia, em uma área rural de difícil acesso. O ataque, raro e trágico, reacendeu o debate sobre a convivência entre seres humanos e grandes felinos em zonas de floresta e fronteiras agrícolas.

Para o biólogo Luiz Borges, doutor em Ecologia e especialista em mamíferos, da ONG SOS Amazônia, ataques de onças a humanos são extremamente raros. “Nos últimos dez anos, o que se tem documentado é, no máximo, um ataque por ano. É algo muito pontual. É mais fácil uma vaca ou um escorpião matar uma pessoa do que uma onça”, afirmou.

Luiz explica que o comportamento da onça em relação ao ser humano não é predatório. “Ela não vê o ser humano como presa natural. Isso acontece apenas em situações muito específicas, como quando o animal se sente acuado ou quando há alteração de seu comportamento natural, como no caso de animais alimentados por humanos”, explicou, citando práticas irregulares de turismo como agravantes.

Segundo o biólogo, o rosto humano, por ter os olhos frontais, pode lembrar o de um predador, o que provoca curiosidade ou receio nas onças, mas não necessariamente uma reação agressiva. Ele também alerta para a importância de evitar encurralar o animal: “Até um cachorro reage quando se sente acuado. Com a onça é a mesma coisa.”

No caso do Pantanal, há um agravante: o turismo desordenado. “Na região onde o Jorge foi atacado, há relatos de ceva – prática ilegal de atrair onças com comida, como peixes – para facilitar fotos e filmagens. Isso altera o comportamento do animal, que passa a associar a presença humana com comida, tornando-se mais próximo e, portanto, mais perigoso”, alerta Luiz Borges.

O biólogo destaca que ainda não se pode afirmar que a onça capturada após o ataque foi a mesma responsável pela morte do caseiro. “É um animal idoso, magro, e estão sendo feitas coletas de sangue para investigar a presença de DNA da vítima. Mas não há nenhuma confirmação”, pontuou.

Além disso, Luiz reforça que a perda de habitat causada por desmatamento, queimadas e avanço da agropecuária tem aumentado os conflitos entre humanos e grandes felinos. “A floresta está mais fragmentada, os animais ficam sem território e acabam chegando perto das áreas de moradia e criação de animais”, explicou.

Apesar disso, o especialista acredita que é possível conviver com a fauna de maneira segura e equilibrada. “O medo precisa ser substituído por informação. Os produtores rurais podem adotar práticas simples, como evitar descarte de alimentos perto das casas e cuidar do manejo do gado. Uma vaca com bezerro recém-nascido não deve parir perto da mata”, aconselha.

Luiz Borges lembra ainda que o pequeno produtor nem sempre tem condições de instalar cercas elétricas ou estruturas de proteção, e que é preciso políticas públicas para promover essa convivência. “Existe uma linha de pesquisa no Brasil focada justamente em estratégias de coexistência entre humanos e onças, levando em conta tanto a proteção da fauna quanto o direito do produtor rural de preservar sua criação.”

Ao final, ele faz um apelo: “A onça não é vilã. O que precisamos é de mais conhecimento, menos sensacionalismo e mais responsabilidade ao comunicar esses casos. Senão, colocamos em risco décadas de trabalho de conservação de uma espécie que já é ameaçada de extinção.”

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