Em nota, ICMBio classifica aprovação do PL 2159 como “tragédia anunciada”

De acordo com a nota, o projeto aprovado representa um retrocesso significativo na legislação atual, flexibilizando todas as etapas do licenciamento ambiental

Itaan Arruda
Para o ICMBio, o projeto aprovado representa um retrocesso, flexibilizando todas as etapas do licenciamento ambiental (Foto: Divulgação)

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade divulgou nota oficial tratando da aprovação do PL 2159/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados na madrugada desta quarta-feira. O ICMBio classifica a aprovação como uma “tragédia anunciada”. Leia a íntegra do documento.

NOTA

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) expressa profunda preocupação com a aprovação, nesta madrugada (17), pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei 2159/2021, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, que ficou conhecido como PL da Devastação. O projeto aprovado representa um retrocesso significativo na legislação atual, flexibilizando todas as etapas do licenciamento ambiental, com redução de instrumentos e normas, dispensa de estudos e monitoramento de impactos e diminuição do poder da fiscalização por parte dos órgãos públicos.

Importante esclarecer que o necessário regramento para o licenciamento ambiental não visa impedir ou dificultar a implantação de empreendimentos econômicos, mas garantir a existência de parâmetros e normas para sua existência, assim como o estudo de impactos e riscos, com o objetivo de prevenir acidentes ou danos irreversíveis ao meio ambiente.

No que diz respeito às unidades de conservação, o projeto prevê a alteração do artigo 36 da Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), atingindo em cheio as atribuições e competências do ICMBio. A mudança revoga a obrigação de autorização do órgão para o licenciamento de empreendimentos com impacto ambiental significativo em unidades de conservação federais, substituindo-a apenas por uma manifestação não vinculante limitada a casos específicos.

Neste caso, a manifestação acontece em processos com e sem Estudos de Impacto Ambiental (EIA), quando a área diretamente afetada pelo empreendimento estiver no interior de unidade de conservação ou na zona de amortecimento. A manifestação deve ser feita no exíguo prazo de 90 dias para empreendimentos com EIA/RIMA e 30 dias para os demais, sem poder de veto sobre atividades incompatíveis. Já para as unidades de conservação sem zona de amortecimento estabelecida, o ICMBio sequer faria a manifestação, mesmo que o empreendimento esteja limítrofe à unidade.

O projeto aprovado representa um grande risco para a integridade das áreas protegidas federais, dado o conhecimento técnico específico que o ICMBio detém sobre cada uma delas. O projeto compromete gravemente a capacidade do órgão gestor de assegurar a compatibilidade entre atividades econômicas e proteção da biodiversidade brasileira em unidades de conservação.

A ausência de autorização por parte do ICMBio pode trazer ainda prejuízos à segurança jurídica dos projetos, uma vez que podem ser licenciados empreendimentos que comprometam os atributos protegidos ou sejam incompatíveis com as unidades de conservação – exigindo, nestes casos, a futura adoção de medidas cabíveis.

Lógica perversa: lidar com o problema depois que ele acontece

A situação é ainda mais grave para as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que perderão totalmente a participação do ICMBio no processo de licenciamento. Considerando que muitas dessas unidades são extensas e abrangem diversos estados e municípios, a ausência de acompanhamento preventivo pode gerar conflitos com atividades incompatíveis com os planos de manejo aprovados. Nestes casos, o projeto prevê que o ICMBio atue apenas de forma reativa, por meio de vistoria e fiscalização, quando os danos já estiverem em curso. É uma lógica perversa: lidar com o problema depois que ele acontece, ao invés de trabalhar para evitá-lo.

Além disso, estudos técnicos no interior de unidades de conservação de qualquer categoria poderiam ser feitos, por parte dos empreendimentos, informando o órgão apenas com 15 dias de antecedência, não cabendo manifestação prévia do ICMBio. O texto do projeto coloca, genericamente, que as atividades deverão causar a menor interferência possível nos atributos da unidade, sem definir critérios – o que pode gerar divergências de interpretação, considerando a sensibilidade e características únicas de espécies localizadas em áreas protegidas.

Ao enfatizar os pontos que atingem e enfraquecem as suas atribuições, o Instituto Chico Mendes não deixa de manifestar a extrema preocupação com os demais pontos de flexibilização da legislação ambiental brasileira, construída ao longo dos anos e orquestrada com os diferentes entes federativos, aprovados pela Câmara dos Deputados.

A crise climática deixou de ser uma projeção para o futuro e se tornou uma realidade concreta, com impactos crescentes sobre a vida humana e os ecossistemas, especialmente entre os mais vulneráveis. Em um cenário que exige maior responsabilidade ambiental e fortalecimento dos instrumentos de proteção, retroceder na legislação é aprofundar riscos e comprometer a resiliência do País diante dos desafios ambientais. Enfraquecer os mecanismos de controle e prevenção ambiental não apenas agrava problemas atuais, como compromete a capacidade de legar às próximas gerações um ambiente equilibrado e saudável.

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