Cobrir o rosto de Marina Silva foi gesto revelador de como andam as coisas pelo Acre

Audiência pública que tentou discutir embargos ambientais e os gargalos da pecuária foi recheado pelo ambiente político da versão agro do “nós contra eles”

Itaan Arruda

A imagem foi representativa. Sintetizou o “espírito” da audiência pública que discutia, com mágoa e choro, o problema dos embargos ambientais não apenas na Reserva Extrativista Chico Mendes, mas em todo Acre. Cobrir o rosto de Marina Silva é um gesto que diz muito de como batem descompassados os corações dos 24,6 mil produtores que lidam com pecuária de cria por aqui.

A iniciativa do debate foi da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa. O faro refinado do presidente da Casa, Nicolau Júnior, percebeu que era a hora de “deixar o produtor falar”. A “escuta democrática” foi feita. E não houve nenhuma novidade. Todos se autodeclararam homens honestos, preocupados em manter a família e com o “direito constitucional” de produzir muito mais do que 30 cabeças de gado. Querem produzir mil, 2 mil, 3 mil, quantas a competência e o empenho deles exigirem.

Nem todos detalharam com a coragem necessária o Plano de Utilização da Reserva Extrativista Chico Mendes. Trata-se do documento que estabelece as regras de estar ali, no gigantesco pedaço de quase um milhão de hectares de terras da União.

Perspicaz como de costume, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Veronez, foi o mais certeiro naquilo que a discussão tem de mais estruturante: o modelo de desenvolvimento sustentável. E, ao pegar do microfone, foi aplaudido na primeira sentença: “Quem invadiu quem?”, provocou. “Quando a Reserva Extrativista Chico Mendes foi criada já havia gente trabalhando com pecuária em muitas regiões da Resex. Sem contar outro problema: vocês sabiam que ainda hoje, trinta e cinco anos depois da criação da reserva, ainda tem gente que não recebeu o dinheiro da indenização?”, incendiou Veronez para ser interrompido por outra dose de aplausos e gritos de aprovação.

Da proposta de anistia apresentada pelo deputado federal Eduardo Veloso, passando pela “busca do equilíbrio” do senador Alan Rick até a indignação calculada e pouco convincente de Ulysses Araújo (todos do União Brasil), a fala que talvez menos tenha encontrado simpatia tenha sido a do senador Sérgio Petecão (PSD/AC). Foi o que menos “jogou para a galera”.

Pagou o preço. Foi cobrado por vários na tribuna. “Petecão, você esteve com a gente lá atrás. Se junte nessa luta”, disseram vários dos produtores. “Eu não sei jogar pra galera”, confessou Petecão, momentos antes de entrar em cena, revelando uma mudança no perfil do mandato, antes pautado por uma postura extremamente popular. Petecão é amigo de Marina e é uma das poucas lideranças políticas com mandato atualmente no Acre que respeita e tem dimensão da grandeza e da força do trabalho de Marina, reconhecidas em todo o mundo.

Um dos produtores, nascido em Boca do Acre e morador da região desde 1980, falou algo que chama a atenção. “Nunca assisti a uma palestra. Nunca ninguém me disse como é que eu devia fazer; ou o que eu não devia fazer ali na reserva”, afirmou. Essa é uma fala representativa. Revela o que não está acontecendo na forma e na intensidade adequadas no que se refere à formação e à educação de quem vive na Reserva Extrativista Chico Mendes.

Uma das falas mais marcantes foi dita quase sussurrada. Ao ver os dois produtores cobrindo o rosto da ministra do Meio Ambiente, uma mulher falou baixinho ao ouvido do marido. “Gostei disso. Gostei mesmo!”

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