Afinal de contas, a pauta fiscal serve para quê?

Na polêmica em torno da comercialização de bezerros para fora do Acre, muito tem se falado da “pauta do boi”. Qual a importância disso?

Itaan Arruda
Pauta fiscal busca equilibrar oferta de gado no Acre e manter funcionamento da indústria frigorífica.

Imagine o leitor duas comunidades. Elas são separadas por um rio. Uma ponte une os dois núcleos. Imagine o leitor que de um lado e do outro do rio sejam produzidas bananas. Os líderes desses lugares mantêm leis, normas, decretos, taxas, como em qualquer outro lugar. Cada povo com os punhados de regras.

Uma das hipotéticas regras comuns aos dois povos diz o seguinte: “o cidadão que quiser levar bananas para o outro lado do rio pode fazê-lo sem problema. Mas, para isto, precisa pagar uma taxa”.

Um cidadão, ao saber da regra, quis saber o motivo. O líder comunitário disse: “Eu preciso fazer com que a banana produzida nesse lado do rio cumpra algumas funções: 1) chegue à mesa do máximo de pessoas que moram aqui; 2) abasteça as fábricas e indústrias que nós temos aqui; 3) a banana ficando aqui ela gera empregos tanto nas indústrias quanto nos comércios e mercados daqui.

O cidadão, não contente, contestou: “Mas as indústrias e fábricas daqui são fracotes. Rapidamente esgotam a capacidade de fazer doces e banana-passa! Do outro lado do rio, as fábricas e indústrias são maiores e eles querem as nossas bananas! Por que não podemos vender?”

Esse hipotético problema traz o espírito do problema envolvendo a “pauta do boi”. Apenas o início do drama. A pauta fiscal é um mecanismo previsto constitucionalmente. É um instrumento que os estados federados possuem para proteger o mercado interno, regular maior ou menor oferta de um determinado produto e, desta forma, intervir com maior ou menor intensidade na dinâmica da formação do preço.

Cada estado quer o cenário ideal: que a oferta do produto seja suficiente para abastecer o mercado interno e que também seja capaz de abastecer (incluindo com estoque seguro) as indústrias vinculadas àquele produto. Na prática, esse cenário não é o que ocorre.

No comércio da carne, especificamente, há alguns detalhes importantes. O preço do bezerro praticado em outras regiões do país é caro. Tão caro que compensa mais vir buscar aqui no Acre que tem boa genética e melhor preço, comparado aos preços de lá. Dificilmente, quem vem comprar bezerro aqui vai deixar de vir porque o Governo do Acre vai “ajustar a pauta”. Nesse aspecto, a intervenção do Estado tem pouco efeito. O mercado sabe fazer, por si, os ajustes necessários. O Governo do Acre começaria a incomodar os compradores se começasse a sobretaxar (colocar uma taxa além do preço praticado no mercado). Essa seria uma interferência grave. Mas, em nenhum momento, as lideranças empresariais e industriais pediram isto.

O que é que os industriários estão pedindo? Eles estão pedindo que o Estado “paute” de acordo com o preço praticado no mercado. Neste domingo (27), por exemplo, uma empresa de leilão de Rio Branco teve lote com 40 machos de 8 meses em que foi cobrado R$ 2 mil por animal. Se o bezerro foi vendido por este preço, o que justifica o Estado cobrar como se o animal tivesse sido vendido por um preço mais barato?

Essa é uma referência importante que precisa ser frisada. O segmento industrial não defende sobretaxa: defende que a pauta seja praticada em cima do preço praticado no mercado. Com um detalhe: importante não confundir preço com pauta. São coisas distintas.

O Governo do Estado tem alguns argumentos prontos: o setor industrial já tem, via Copiai, os incentivos generosos; argumenta que não há omissão e que não há evasão fiscal. Com um detalhe: a grande renúncia fiscal ocorre quando o produtor desloca o rebanho “dele para ele mesmo”: quando o produtor desloca rebanho de uma propriedade dele localizada no Acre para outra propriedade dele localizada em outro estado, ele não paga imposto. Há investigações em curso de uma série de irregularidades praticadas nesse trâmite. Esses são casos pontuais. Não são regra. Mas quando ocorrem as cifras são grandes.

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