Análise Econômica do “Tarifaço” de Trump: impactos, paradoxos e o caso do Acre

Para o Acre, a hiper-concentração das exportações para os EUA em castanha-do-Brasil revela fragilidade sistêmica

Rubicleis G. Silva
Acre concentra 78% das exportações aos EUA em castanha-do-Brasil, produto sensível a oscilações globais.

O anúncio de tarifas elevadas sobre importações pelos EUA, batizado de “tarifaço”, é uma medida protecionista que visa realocar vantagens comerciais para produtores domésticos. Apesar do discurso de proteção à indústria local, seu impacto real depende de dois fatores críticos: a composição das exportações dos países afetados e a sensibilidade do consumidor americano a aumentos de preços. Produtos com demanda inelástica (onde o consumo não cai mesmo com alta de preços) tendem a transferir custos para as famílias, reduzindo seu poder de compra. Já produtos com substitutos facilitariam a migração para opções nacionais, cumprindo o objetivo da política.

Seletividade é a chave. Por exemplo, se os EUA taxarem produtos como medicamentos ou componentes tecnológicos sem substitutos imediatos, os preços subirão sem alívio, pressionando o orçamento doméstico. Estudos indicam que, em setores como eletrônicos e alimentos processados, a elasticidade-preço é baixa, o que poderia ampliar o custo de vida. Assim, o “tarifaço” pode, paradoxalmente, minar o nível de vida da classe média que pretende proteger.

Enquanto o consumidor americano se debate entre a alta de preços e a escassez de alternativas, as repercussões do “tarifaço” ecoam além das fronteiras dos EUA, revelando fragilidades em economias integradas às cadeias globais. Um exemplo emblemático é o Acre, estado brasileiro cuja estrutura exportadora — ainda que pouco exposta diretamente ao mercado americano (2,15% do total em 2025) — ilustra como a hiper-especialização produtiva pode se tornar uma armadilha. Com 78% de suas exportações para os EUA concentradas em um único produto, a castanha-do-Brasil, o estado vive um paradoxo: mesmo com baixa dependência geográfica, sua vulnerabilidade econômica é amplificada por flutuações em mercados distantes. Essa dinâmica expõe um cenário global onde decisões protecionistas, como as de Trump, geram ondas capazes de atingir até regiões periféricas, transformando escolhas domésticas em riscos sistêmicos.

O Acre ilustra como a estrutura exportadora define a exposição a choques comerciais. Em 2025, apenas 2,15% das exportações do estado foram para os EUA (US$ 552,7 mil), enquanto o Peru absorveu 35,64% (Tabela 1). O perfil produtivo é ainda mais revelador: 78,33% das vendas ao mercado americano são de castanha-do-Brasil sem casca (Tabela 2), produto com pouca diversificação.

Principais Destinos das Exportações do Acre (2025)

PaísValor (US$)Participação (%)
Peru9.164.93235,64
EUA552.7412,15
Outros15.995.82262,21

Tabela 1: Dados fornecidos

Tabela 2: Composição das Exportações do Acre para os EUA (2025)

ProdutoValor (US$)Participação (%)
Castanha-do-Brasil sem casca432.96078,33
Madeiras compensadas118.81021,49
Demais produtos9710,18

Fonte: Dados fornecidos

Para o Acre, o risco imediato é limitado: os EUA são um mercado marginal. Porém, a hiper-concentração em castanha-do-Brasil (dependente de poucos compradores) revela fragilidade sistêmica. Se o “tarifaço” desviar demanda global ou afetar parceiros indiretos (como o Peru, que compra 35% das exportações acreanas), o estado sofreria efeitos em cadeia. A castanha, por exemplo, poderia enfrentar excesso de oferta global, pressionando preços.

Enquanto os EUA, berço do capitalismo moderno, abraçam o protecionismo, a China posiciona-se como guardiã do livre comércio. A estratégia chinesa de sustentar mercados abertos via acordos multilaterais (como RCEP) contrasta com a guinada americana. O paradoxo é histórico: um país de orientação comunista salvaguarda a principal premissa capitalista (o livre fluxo comercial), enquanto os EUA, sob retórica nacionalista, corroem o sistema que lideraram pós-1945. Ronald Reagan, ícone do neoliberalismo, certamente se reviraria no túmulo ao ver seu país substituindo a “mão invisível” por punhos fechados.

O “tarifaço” é mais que uma medida econômica: é um símbolo da reconfiguração geopolítica. Para o Acre, seus efeitos são indiretos, porém sintomáticos de como economias periféricas dependem de commodities pouco diversificadas. Globalmente, a erosão do livre comércio pelos EUA abre espaço para a China redefinir as regras do jogo — um cenário onde o capitalismo pode ser salvo por quem menos se esperava.

* Rubicleis G. Silva (Doutor em Economia UFV com pós-doutorado na FGV, Professor de Economia da UFAC e Tutor do PET-Economia)

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