Em agosto de 2025, foi decretada oficialmente a falência da Peixes da Amazônia, encerrando um longo processo que envolveu a Parceria Público-Privada entre o Governo do Acre e 18 empresários. O projeto consumiu R$ 68 milhões em investimentos públicos e privados. No final de novembro, após várias tentativas frustradas, o complexo foi arrematado no último leilão do segundo ciclo de venda dos ativos da massa falida da Peixes da Amazônia, em meio a uma disputa acirrada entre dois participantes, sendo finalmente adquirido por R$ 13,15 milhões pelo representante da OZ Earth.
Conforme publicação do ac24agro de 01/12/2025, o repórter Luiz Eduardo Souza informa que a Justiça autorizou esse ciclo após empresas manifestarem interesse em reativar o empreendimento, considerado estratégico para a piscicultura no Acre. Ainda segundo o repórter, a venda encerra uma fase e abre expectativas para a retomada das atividades produtivas, além de contribuir para a recuperação de valores destinados aos credores da massa falida.
Nosso objetivo aqui é analisar esse cenário, sobretudo as perspectivas de demanda do setor externo para o peixe produzido no Acre.
Pontos essenciais para a retomada das atividades da Peixes da Amazônia
Agora sob a direção da iniciativa privada, a reativação do Complexo Industrial da Peixes da Amazônia exige uma estratégia integrada que vá muito além da simples reabertura das estruturas físicas. A experiência passada demonstrou que o sucesso do empreendimento depende do fortalecimento de toda a cadeia produtiva da piscicultura, desde o alevino até o processamento final. Para isso, alguns pontos são fundamentais: reconstrução da base produtiva de pequenos piscicultores; reorganização dos fornecedores e serviços complementares; garantia de volume mínimo de produção; governança profissional e transparência; integração logística do complexo e estabilidade jurídica e regulatória. Ou seja, a Peixes da Amazônia só retomará suas atividades com sustentabilidade se houver uma reconstrução profunda da cadeia produtiva, preferencialmente via cooperativas, colocando os pequenos produtores novamente no centro do modelo, fortalecendo fornecedores locais e garantindo escala de produção.
A demanda internacional por peixes de água doce amazônicos — especialmente tambaqui, pirarucu, pintado e tilápia — tem crescido em nichos que valorizam produtos sustentáveis, rastreáveis e associados à sociobiodiversidade. Esse movimento abre oportunidades importantes para estados como o Acre, que possui condições naturais favoráveis e experiência acumulada na piscicultura.
Análise das exportações brasileiras de peixes de água doce (2024–2025)
Os dados de exportação de peixes de água doce do Brasil entre janeiro e outubro de 2024 e 2025, contidos na tabela a seguir, revelam a forte concentração do mercado internacional em poucos países, com destaque absoluto para os Estados Unidos, que permanecem como o principal destino do pescado brasileiro. Em 2025, o mercado norte-americano absorveu US$ 84,2 milhões, equivalente a 63,3% das exportações totais. Embora tenha havido leve redução relativa em comparação a 2024 (quando o país detinha 73,8% do mercado), esse recuo pode ser parcialmente explicado pelas tarifas adicionais impostas pelo governo Donald Trump sobre diversas categorias de pescados importados, incluídos os produtos de água doce. Ainda assim, os Estados Unidos continuam sendo, de longe, o maior comprador mundial de tilápia e outras espécies de água doce brasileiras — evidenciando tanto o tamanho de sua demanda quanto a consolidação das empresas brasileiras nesse mercado altamente competitivo.

O crescimento da participação de países como China, Peru, Gabão e outros mercados emergentes nas exportações brasileiras de peixes de água doce entre 2024 e 2025 está diretamente relacionado ao tarifaço imposto pelo governo Donald Trump sobre diversas categorias de pescados importados pelos Estados Unidos. Que forçou a busca de novos mercados.
Verificou-se um crescimento expressivo da China, que ampliou sua participação de 5,5% em 2024 para 6,8% em 2025, alcançando mais de US$ 9 milhões em compras. Trata-se de um movimento estratégico, já que a China é o maior consumidor global de pescado e possui uma classe média crescente com grande aceitação por proteínas alternativas. O avanço chinês indica espaço para expansão de exportações brasileiras, especialmente diante do interesse por produtos amazônicos e por cadeias sustentáveis — o que abre perspectivas concretas para o Acre no médio prazo.
O Peru também se destaca, saltando de 4,0% em 2024 para 6,2% em 2025. Trata-se de um parceiro regional com enorme potencial para integração produtiva. Além da proximidade geográfica e da tradição no consumo de pescado, o Peru possui indústrias de transformação e gastronomia fortemente baseadas em peixes de água doce, o que pode favorecer acordos comerciais, exportações de cortes especiais e até modelos de complementação industrial envolvendo o complexo da Peixes da Amazônia.
A participação de países africanos — como Gabão, Congo e Costa do Marfim — também cresce, reforçando a diversificação geográfica do mercado brasileiro. Porém, no plano estratégico, Estados Unidos, China e Peru formam um tripé especialmente relevante, seja pelo volume de compras, seja pela capacidade de expandir mercados premium ou de consolidar parcerias logísticas e comerciais de longo prazo
Desempenho de Rondônia nas exportações de peixes (jan–out/2025)
As exportações de peixes de água doce de Rondônia somaram US$ 5,0 milhões entre janeiro e outubro de 2025, com forte predominância do Peru, que absorveu 97,3% do total. O dado mais relevante é que essas vendas foram realizadas, quase integralmente, pela Alfândega de Assis Brasil, no Acre, que também foi utilizada nos embarques para a Bolívia.
Isso mostra que Rondônia depende do Acre como principal corredor logístico e aduaneiro para acessar os mercados andinos, reforçando a importância estratégica da fronteira acreana para o comércio exterior regional. Argentina e Estados Unidos aparecem com participações marginais, completando a pauta exportadora do estado.
Desempenho do Acre nas exportações de peixes (2017 e 2018)
Os anos de 2017 e 2018 representaram o auge das exportações acreanas de peixes de água doce, com US$ 1,01 milhão e US$ 686 mil, respectivamente. Esses resultados foram possíveis porque a Peixes da Amazônia ainda estava em pleno funcionamento, garantindo processamento, padronização e escala mínima para o mercado externo.
As vendas foram realizadas majoritariamente para o Peru, utilizando a Alfândega de Assis Brasil como rota de saída. O desempenho desses anos mostra que, quando o complexo industrial opera de forma regular e integrada aos produtores, o Acre consegue inserir sua piscicultura no mercado internacional — ainda que de forma limitada — e aproveitar a demanda regional por pescado amazônico.
A venda da Peixes da Amazônia encerra um ciclo marcado por dificuldades, mas abre a possibilidade de um novo modelo de gestão capaz de reativar a piscicultura acreana em bases mais sólidas. Os dados mostram que existe demanda crescente por peixes de água doce no mercado internacional — especialmente nos Estados Unidos, China e Peru — e que países africanos também vêm ampliando suas compras. Esse cenário confirma que há espaço para o Acre voltar a participar do comércio exterior, desde que reorganize sua cadeia produtiva.
Assim, a retomada da Peixes da Amazônia dependerá de fortalecer pequenos produtores, integrar fornecedores, assegurar escala de produção e adotar uma governança profissional. Se esses elementos forem consolidados, o estado poderá transformar a piscicultura em um novo vetor de desenvolvimento regional e reconquistar sua posição no mercado internacional.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas
