O presidente Washington Luís governou o Brasil de 1926 a 1930. A campanha que o levou à presidência teve como lema uma frase que ficou famosa: “governar é construir estradas”. Era o país definindo como iria se integrar. Esse raciocínio foi tatuado na agenda pública há cem anos, mas ainda hoje é referência para muitas lideranças políticas.
Aqui no Acre, ainda não se conseguiu estabelecer outro referencial: crescimento econômico só é possível com estradas. Nos barrancos daqui, políticos de todas as matrizes ideológicas têm esse ponto de partida. Ao observar uma determinada comunidade, o primeiro ítem que alguns avaliam é: “tem estrada?” Caso não tenha estrada, eles já formam uma opinião sobre o lugar sem ao menos conhecê-lo.
Neste domingo (16), o site ac24agro faz uma entrevista com o secretário de Estado de Planejamento, Ricardo Brandão, em que esses aspectos da administração pública vêm à tona. Pela fala do secretário, fica clara a intenção do atual Governo do Acre de realizar a integração com o Peru por meio do Município de Marechal Thaumaturgo. A referência apresentada na conversa é estritamente econômica.
Todo o raciocínio guarda relação com trocas de natureza comercial: o Peru tem determinados produtos que interessam ao Acre e o Acre tem produtos que interessam ao Peru; algumas comunidades indígenas visitadas pelo gestor, como as de Satipo e Atalaya, defendem a construção da dita estrada; são citados exemplos de determinadas vilas que estão tão perto da “civilidade” e tão isoladas pela selva que ameaça a todos. Apresentou-se até mesmo o argumento de que em Marechal Thaumaturgo 1 Kg de frango custa entre R$ 80 e R$ 100; ou que a comunidade de Porto Breu e o famoso Porto de Chancay estão separados por míseros 965 quilômetros. O “espírito” e o sentido das ideias do atual governo têm essa natureza.

A legislação ambiental é citada de forma quase protocolar, para justificar a pretensão de algum equilíbrio. Nunca é demais lembrar que em Marechal Thaumaturgo estão a Reserva Extrativista do Alto Juruá, o Parque Nacional da Serra do Divisor, a Reserva Extrativista do Riozinho da Liberdade e a Floresta Estadual do Rio Liberdade. Além disso, tem a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, onde vivem os ashaninkas do Acre.
Citar cada um desses lugares é importante para lembrar que essa região é responsável por mais de 300 nascentes de rios; citar esses lugares é provocar a busca por entender que Marechal Thaumaturgo não “está engessada” por ser protegida legalmente. Foi a luta de muitos que reconheceu que ali a relação entre Economia e Meio Ambiente ganha contornos desafiadores.
A floresta é desafiadora na medida em que as relações que ela mesma estabelece na busca de um auto equilíbrio é incompreendida por nós. Sabemos que se plantarmos determinada semente de milho ou soja em uma determinada área, irrigando com uma determinada quantidade de água, a produtividade será previamente conhecida. Essa agricultura reta, calculada, é de domínio nosso. A floresta não é assim. Ela exige outros tipos de cálculos e outros tipos de disposição para entendê-la. Ela exige outra percepção.

O Governo do Acre diz que vai iniciar os debates com as comunidades do Juruá em dezembro. É importante que os diversos agentes estejam atentos aos movimentos oficiais. Fazer debate público apenas para referendar o que já está decidido é um perigo. Há, realmente, disposição para buscar alternativas de integração entre as economias? Como o Governo do Acre pretende construir essa estrada com a atual legislação ambiental federal?
A História Econômica da Amazônia desautoriza qualquer tipo de otimismo: entre executar os grandes projetos de infraestrutura e defender a diversidade cultural e ambiental de uma região ou de uma comunidade, os governos nunca tiveram dúvida de que lado ficar.
No tronco linguístico Aruak, falado pelo povo ashaninka, as palavras “omanarêtsi” e “kemosheritãtsi” significam, respectivamente, “Guerra” e “Paz”. Há mais de 525 anos, os ashaninkas e tantos outros povos daqui e de outros lugares do país vivem a “omanarêtsi” na rotina, independente de qual governo esteja no poder.
Eles aprenderam a usar armas diversas para poder guerrear em condições menos desiguais. As comunidades indígenas e extrativistas do Juruá, conscientes da importância histórica da luta, vão ter que abusar da diplomacia e do diálogo. Por óbvio: um grupo político que defende a construção de estrada em um ambiente tão sensível tem a tendência de usar o debate apenas como retórica. É preciso estar armado contra isto.
