Veio do Pará uma contestação importante para a pecuária brasileira, em se tratando de comercialização de carne bovina no mercado externo. No caso específico, com o Japão. No início do mês de agosto, a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Pará (Fetraf-PA), o Sindicato das Indústrias de Carne do Pará (Sindicarne-PA), a União Nacional da Indústria e Empresas da Carne (Uniec), a Associação dos Criadores do Pará (Acripará) e a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) oficializaram, junto ao Ministério da Agricultura, um questionamento que pode ser resumido em uma pergunta: “por que só os estados do Sul?”
A Aliança Paraense pela Carne, observe o leitor, não é formada apenas por sindicatos e associações patronais. É bom perceber que há ali a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Pará. Isso aponta que a articulação política foi bem costurada: preocupou-se em apresentar uma postura integral da cadeia produtiva da carne.
Não é demais lembrar que o Pará tem o segundo maior plantel do país, calculado em mais de 25 milhões de cabeças, ficando atrás somente do estado do Mato Grosso.
O Governo Federal, na gestão do presidente Lula, conquistou espaços importantes no mercado externo. Para o setor da agropecuária, em especial. O Japão abrir o mercado para a carne brasileira é reflexo do trabalho de muito agente público, com destaque para os executivos do Itamaraty, do Mdic, da Apex, do Mapa, todos amparados na liderança política do presidente da República. É preciso reconhecer isso.
Mas nenhum esforço desses seria eficaz se a qualidade da carne produzida aqui não fosse de excelência. Portanto, em todas as análises, é preciso levar em conta, primeiramente, que, na inserção de mercados cada vez mais exigentes, o mérito é, sobretudo, do produtor.
Dito isto, é preciso retomar o que contesta a Aliança Paraense pela Carne. “Por que só os estados do Sul?” Por que a habilitação para comercializar carne para o Japão tem os estados do Sul do país como prioridade? A resposta não pode estar sustentada na classificação sanitária, uma vez que o país inteiro tem o mesmo status, desde junho deste ano.
É uma situação interessante. Inclusive para o Acre. Imagine-se se o Brasil não tivesse recebido a diplomação de Área Livre de Aftosa Sem Vacinação da Organização Mundial de Saúde Animal. Esse diploma, até junho deste ano, era uma exclusividade na parede de apenas cinco estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rondônia e Acre.
O Japão é um país conhecido pelo rigor com que trata a política sanitária. Ter um produto nas gôndolas de supermercados japoneses é uma medalha de mérito. É sinônimo de excelência de qualidade. Uma condição que, até junho deste ano, apenas cinco estados teriam qualidade suficiente para oferecer, incluindo o Acre. Claro, isso avaliando a situação do ponto de vista estritamente teórico.
Mas é evidente que há outros fatores que precisam ser levados em conta. Antes de decidir por este ou aquele lugar de compra, as missões de executivos japoneses visitam os frigoríficos de cada estado, avaliam a logística, o tempo do transporte da carga, olham tudo. Na visita aos frigoríficos, o rigor é extremo na obediência aos protocolos e padrões. Tudo precisa estar no devido lugar e na devida ordem. O mínimo detalhe é motivo para negar a habilitação.
Se o leitor observar com alguma boa vontade, verá que o Acre e Rondônia têm localização geográfica privilegiada para comercialização de carne bovina com o Japão. Estando o Porto de Chancay, no Peru, em operação, é uma vantagem comparativa que, na ponta do lápis, pode significar redução de custos, comparados aos estados do Sul do Brasil. Os frigoríficos sifados têm feito mais de R$ 100 milhões de investimentos e estão aptos a se adequarem a qualquer exigência. A Apex tem feito as costuras necessárias. Mas a provocação da Aliança Paraense pela Carne foi importante para que o Ministério da Agricultura percebesse como a excelência na qualidade da carne produzida não é mais privilégio do Sul do país. Quem já apreciou a carne acreana sabe bem do que o editorialista está falando. É preciso oferecer aos japoneses esse privilégio. O Acre é generoso a esse ponto.