Agenda acreana transitou do simbolismo ao pragmatismo político

Da Casa de Acolhida Souza Araújo, passando pelo pedido ao senador Petecão e o carão em Bocalom, a passagem do presidente não surpreendeu. Apenas reforçou a liderança política em uma terra que insiste em não reconhecer os investimentos feitos por Lula no Acre

Itaan Arruda
Lula durante encontro com lideranças e anúncios de investimentos no Acre. Foto: Sérgio Vale

Foi a primeira visita do presidente ao Acre na versão “Lula 3”. Na fala dele mesmo, “uma visita muito cobrada por mim”. Era como se o presidente e a rotina palaciana não permitissem a Lula a recarga de militância que o Acre tantas vezes lhe concedeu. Em outros tempos, é bem verdade.

Como lembrou uma das fundadoras do PT do Acre, Júlia Feitosa, aos 71 anos, amparada por um andador e ainda hoje embalando esperanças. “Quantas vezes desatolamos carros na estrada de Sena Madureira com Lula, tentando organizar sindicatos e a classe trabalhadora?”, perguntou a militante.

Na agenda na Casa de Acolhida Souza Araújo, encontro com velhos amigos: Chica Marinheiro, Massimo Lombardi e a energia eterna do amigo Moacir Grechi. Lula no Souza Araújo só rima pra valer com o “Dom Moacir”. Era uma dobradinha, no combate a uma doença que é o reflexo da exclusão e da miséria. É uma equação matemática: onde há hanseníase a coisa não vai bem na arena econômica e social. É a cara do Acre. Há muito tempo.

Raimundo Mendes, Granjeiro, Júlia Feitosa, Nilson Mourão, Júlio Barbosa são lideranças que parecem estimular os pedidos de “Lula” ao presidente e cujo espírito foi revelado no encontro de ontem. “Uma visita muito cobrada por mim”.

A BR-317, que hoje é parte dos R$ 890 milhões anunciados pelo presidente em infraestrutura, foi a mesma onde Lula anunciou aos seringueiros em uma espécie de réquiem contra a exclusão e a injustiça, na beira do caixão de Wilson Pinheiro, que “estava na hora da onça beber água”. Serviu de senha fatal. Houve revide dos seringueiros. Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Aos poucos, o Acre foi sendo tatuado na biografia.

A impressão que se tem é que de tempos em tempos, o presidente precisa pedir alguma concessão a essa história de militância. Mas é só uma impressão. O tempo e as vitórias foram construindo uma outra cena. Reestruturou retóricas. A mais famosa é a de que a melhor maneira de combater a exclusão é estando no poder. Esse é um raciocínio inebriante.

É ele que permite, por exemplo, que Confúcio Moura, relator do PL do Licenciamento no Senado, o mesmo que o presidente vetou parcialmente, acompanhe o presidente na agenda oficial. Aliás, eis a explicação para que a ministra Marina Silva não estivesse presente no evento em Rio Branco; ela foi cuidar de explicar o que foi possível fazer para evitar o pior.

Íntimo do poder, o presidente desfilou carões de toda ordem: chamou de “moleque, traidor de 215 milhões de brasileiros” o deputado federal Eduardo Bolsonaro; falou que Trump vai ter que aprender a respeitar a soberania do país e ainda sobrou para o prefeito Bocalom, tratado como mentiroso, desmacarado que foi no episódio do convite ao evento.

E para finalizar o tom mais pragmático restou para a fala direta na comparação com outros presidentes na relação com o Acre. A fala “Nenhum presidente investiu tanto no Acre quanto eu” não ecoa além dos ouvidos de sempre. Não é uma ação que se revela. Não é um ato que se sente. Há um estranhamento. Um dia, inclusive, Lula parece ter cochichando ao ouvido do presidente, que sugeriu: “O Acre precisa ser estudado”. É uma sugestão. Como se diz atualmente #ficadica.

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