A Suçuarana e o deserto

Operação Suçuarana expõe ausência do Estado, avanço da pecuária e falhas de comunicação do ICMBio na Resex Chico Mendes.

Redação
Operação Suçuarana reacende debate sobre a pecuarização da reserva

Não se fala de outra coisa. Há uma semana, o Acre inteiro se mudou para os quase 1 milhão de hectares e de possibilidades da Reserva Extrativista Chico Mendes. A Operação Suçuarana pauta a preocupação de milhares de pessoas, por tudo o que está representado ali. E é justamente no âmbito da representação que reside a maior fortaleza e a maior complexidade do que acontece na região. Mas antes de partir para o campo das subjetividades, é preciso fazer um recorte em bases factuais.

Para entender a Operação Suçuarana, é preciso voltar um pouco no tempo. Foi constatado que, entre 2019 e 2022, a Reserva Extrativista Chico Mendes registrou aumento expressivo do desmatamento. E o problema não parou em 2023. De acordo com a direção nacional do ICMBio, desmatou-se na Resex Chico Mendes 40% do que se desmatou entre todas as reservas extrativistas do país. Desmatamento ilegal, bem entendido.

Ano passado, uma nova rodada de notificações para a retirada de gado que estava sendo mantido em áreas embargadas foi iniciada pelo ICMBio. Ninguém que foi autuado na Operação Suçuarana foi surpreendido pelo que fez. O choro para os vídeos de WhatsApp, o clamor para os prováveis candidatos de 2026, antes, expõe uma negligência. É duro dizer isso, mas é a verdade.

Qual o objetivo da Operação Suçuarana? Promover o pânico? Um juiz federal (ou uma juíza federal) acordou um belo dia e pensou: “vou prejudicar duas famílias lá na Resex Chico Mendes!” E formalizou a sentença. Foi isso o que aconteceu? Evidentemente, não.

A Justiça Federal foi provocada. Provocada por quem? Pelo ICMBio. “Ah! Então está aí o carrasco! O problema foi o ICMBio!” Como dito anteriormente, o instituto constatou aumento crescente e ininterrupto de desmatamento na região. Foi uma constatação. Houve desmatamento ilegal, além da criação de gado em área embargada. Em abril deste ano, a região já havia sido palco de outra operação: a Operação Boi Fantasma, que, segundo o próprio instituto, “revelou fraudes no registro de rebanhos e práticas conhecidas como ‘lavagem de gado’, utilizadas para dar aparência de legalidade à produção em áreas embargadas”.

Existe outro detalhe: um dos pequenos pecuaristas autuados na Operação Suçuarana, havia sido notificado desde 2016 sobre as irregularidades que vinha praticando. São nove anos! E ele não foi notificado apenas uma vez. O ICMBio acionou a Justiça Federal, expôs a situação do desmate, queimada e criação irregular de gado. A Justiça decidiu e cobrou do ICMBio. “Você me provocou. Agora, faça cumprir a minha decisão”. Esse é um resumo simplificado do que aconteceu, fundamentado nos fatos. Amparado no que aconteceu. Isso revela o problema na sua integridade? Não.

Há situações que precisam ser, de fato, revistas. Por exemplo: a Resex Chico Mendes foi criada em 1990. Surgiu ainda sob a comoção e o choro de muitos pela morte do líder seringueiro assassinado. E assassinado justamente por conflitos agrários.

O fato é que a reserva extrativista abarcou áreas em que muitas famílias já haviam não apenas desmatado, mas introjetado no modo de vida a ideia de que a pecuária é a redenção financeira de uma família. Só para que se tenha uma dimensão de como essa mudança de cultura foi forte ao longo dos anos.

Em 2010, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, havia 21 mil cabeças de gado na Resex Chico Mendes. Já era o prenúncio de que algo não estava certo, em se tratando de uma reserva extrativista. Hoje, o ICMBio informa que estão cadastradas 126 mil cabeças. Essa pecuarização da Resex é, em boa medida, uma falha do próprio ICMBio, do próprio Ministério do Meio Ambiente e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Ao longo do tempo, essas instituições foram se ausentando da Resex Chico Mendes. E quando a política pública se ausenta, alguém lhe toma o lugar. Com respostas monetárias mais rápidas do que o extrativismo, a pecuária foi avançando na rotina do lugar.

É nesse ambiente que a Federação da Agricultura e Pecuária faz o seguinte relato, por meio do presidente Assuero Veronez: “E como o extrativismo sempre foi decadente, nunca foi suficiente para permitir que as pessoas prosperassem, muitos deles [extrativistas] migraram para a pecuária ou por uma atividade mista, entre o extrativismo e a pecuária. E a pecuária, como dá uma resposta econômica, cresceu”, disse Assuero em recente vídeo.

O presidente da Faeac continua: “E as leis, as normas que foram baixadas pelo Ministério do Meio Ambiente ao longo dos anos, tentando coibir a expansão da pecuária, acabaram provocando situações que os próprios produtores deixaram de cumprir tais normas. O regulamento de uso da Reserva Extrativista não é compatível com o desenvolvimento econômico, com a prosperidade das pessoas”, atacou. A retórica não é nova. E a pergunta que se faz é: quem do ICMBio, ou do Ibama, ou do MMA estava na Resex ao longo desses 35 anos tentando mostrar o contrário do que defende Veronez?

O ICMBio erra também porque não se comunica. E a “Comunicação” que é dita aqui não guarda relação com o trabalho dos assessores de imprensa do órgão. Não é isso. A “Comunicação” aqui tem um sentido mais largo: guarda relação com a Educação, com a formação. Tivesse algum programa cuidado desse aspecto, a Operação Suçuarana nem existiria.

Outro exemplo bem prático que revela problema de comunicação: uma hora alguém do órgão fala que é proibido criar gado na resex; outro alguém mais adiante (também ligado à instituição) fala que é possível, mas em “pequena quantidade”.

O que prevê o Plano de Uso da Resex, afinal? Dizer que “a criação de gado é regulamentada em até 50% da área destinada para atividades complementares (10% da área total da colocação, condicionado ao limite de 30 ha)” não comunica. É preciso ser mais claro. É preciso estar mais próximo.

Na semana que passou, em função do calor dos debates sobre a operação do ICMBio, o editorialista leu o seguinte comentário de uma moradora da Resex Chico Mendes após ela assistir à entrevista do presidente nacional do instituto, Mauro Pires, concedida ao ac24agro. “O que tem a ver esse negócio de floresta em pé, de conservação, de preservação, com problema de seca, com problema de enchente? Esse homem é um mentiroso”, esbravejou.

O cenário todo é devastador e os conflitos tendem a se acirrar porque a postura do ICMBio não educa, quando se faz presente é para notificar ou punir e a forma policialesca como opera alimenta o ódio à legislação ambiental, justamente a que vai garantir a sustentabilidade do setor produtivo no futuro.

Sim, porque o produtor agropecuário que ignorar, por decisão, os fatores ambientais está fadado a falir. Nesse ambiente de devastações e extremismos, o nome da operação não poderia ser mais adequado: Suçuarana é um felino grande. É chamado em muitos cantos de “Onça parda”, acostumado a viver nos mais diversos ambientes, até mesmo nos mais inóspitos. No ritmo em que está a vida na Resex Chico Mendes, em breve, se tornará um ambiente desses. Por que no campo das ideias, não teve jeito: desertificou.

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