É madrugada em Rio Branco. Enquanto a cidade dorme, o Mercado do Bosque segue acordado, iluminado por lâmpadas amarelas e pelo cheiro forte de café passado na hora. Lá dentro, o tempo parece andar diferente. O silêncio das ruas some diante do som das conversas e do chiar das frigideiras. É nesse cenário que a culinária acreana se revela em sua forma mais autêntica.
Encostado em sua barraca de madeira, pano no ombro e sorriso aberto, está Zé Afonso, 67 anos, um dos nomes mais conhecidos do mercado durante a madrugada. Ele serve sua famosa baixaria — cuscuz com carne moída, ovo frito e vinagrete — com a precisão de quem sabe que, naquele prato, vai um pouco de história, afeto e resistência.
“Não tem luxo, tem sabor. Isso aqui é comida pra alimentar corpo e alma. Quem chega aqui vem com fome de mais do que só comida”, afirma, enquanto entrega o prato a um rapaz recém-saído do trabalho. Zé é da velha guarda do Bosque e viu o mercado se transformar ao longo dos anos. Mas garante que, apesar das mudanças, a essência continua: servir bem e manter viva a tradição.
Em outra barraca, mais colorida e cheia de potes abertos, a juventude tem voz e fogo próprio. Rebeca Silva, 24 anos, começou vendendo tapioca nas redes sociais e hoje tem um ponto fixo no Bosque. Suas criações misturam regionalismo e ousadia, como a tapioca de tucumã com queijo coalho e o mingau de banana com leite de castanha.
“O mercado é onde a gente aprende a respeitar as raízes. Tem muita história em cada receita, e eu me sinto parte disso agora”, diz Rebeca, entre um atendimento e outro. Ela vê na madrugada um público diferente — mais aberto, mais afetivo, mais acolhedor. “Tem cliente que vem só conversar, lembrar de casa, de quando era criança. Isso também alimenta.”
O Mercado do Bosque, que recentemente passou por reformas e ganhou nova estrutura, continua sendo mais que um espaço de comércio: é um ponto de encontro de sabores, de gerações e de memórias. Durante a madrugada, ele pulsa com um ritmo próprio, em que o Acre é servido de forma quente, forte e verdadeira.
Para muitos, comer ali nesse horário é quase um ritual. Para outros, é a certeza de que, em Rio Branco, sempre haverá um lugar onde a fome — de comida, de gente, de história — encontra consolo.