A combinação de drones e inteligência artificial (IA) inova a realização de inventários florestais na Amazônia. Em um sobrevoo de pouco mais de duas horas, a metodologia Netflora, desenvolvida pela Embrapa Acre (AC), identificou 604 castanheiras-da-amazônia (Bertholletia excelsa) e mais de 14 mil outras espécies arbóreas em uma área de 1150 hectares na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no Amazonas.
O uso dessa tecnologia representa um avanço significativo em relação aos métodos tradicionais de inventário florestal, que demandam 73 dias de trabalho e uma equipe de cinco profissionais para mapear a mesma área. A inovação não apenas reduz o tempo necessário para a coleta de dados, mas também aumenta a precisão e eficiência do monitoramento ambiental.
O mapeamento foi realizado em parceria com a Embrapa Amazônia Ocidental (AM) e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema/AM), na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã. A atividade, conduzida em fevereiro, integra o Projeto Geoflora, financiado com recursos do Fundo JBS pela Amazônia.
Segundo Evandro Orfanó, pesquisador da Embrapa Acre e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Netflora, a integração da IA ao inventário florestal possibilita uma gestão mais sustentável dos castanhais nativos e de outras espécies florestais, além de conectar conhecimento científico aos sistemas tradicionais de uso da terra.
Castanhal digital
Os benefícios dessa inovação vão chegar diretamente à comunidade da RDS do Uatumã, que terá acesso ao inventário digital dos castanhais por meio de um aplicativo de celular. A ferramenta disponibiliza planilhas e mapas dinâmicos, e permite que os extrativistas localizem com precisão as castanheiras e outras espécies de interesse dentro da floresta.
“Por meio do aplicativo será possível visualizar a localização exata das árvores e se orientar na floresta da mesma forma que navegamos em uma cidade em busca de um endereço. Cada árvore mapeada passa a ter um endereço único, representado por coordenadas geográficas”, explica Orfanó.
Além de facilitar a coleta, esse sistema de georreferenciamento otimiza rotas e reduz o esforço físico dos extrativistas com longas caminhadas. A digitalização das informações também contribui para um monitoramento mais preciso da comunidade das áreas de extração, aspecto que auxilia na preservação dos recursos naturais e possibilita que a exploração dos castanhais seja realizada de forma sustentável.

Otimização do manejo
Um dos principais produtos extraídos na região Amazônica é a castanha-da-amazônia (também conhecida como castanha-do-pará ou castanha-do-brasil), que desempenha um papel vital na bioeconomia local. A coleta e a comercialização desse recurso natural é o principal sustento de diversas famílias agroextrativistas, contribuindo para a melhoria da renda e fomentando práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais.
Além do valor econômico, a castanha-do-amazônia está profundamente ligada aos saberes tradicionais das comunidades locais, que se reflete na relação harmoniosa entre o homem e a floresta. Essa conexão é fundamental para a preservação cultural e a transmissão de conhecimentos entre gerações.
A chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Amazônia Ocidental, Kátia Emídio da Silva, coordena o projeto “Otimização da Coleta Extrativista da Castanha-do-Brasil no Amazonas“, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). O objetivo principal da iniciativa é validar o uso de cabos aéreos para o transporte das castanhas-da-amazônia em áreas de difícil acesso, a fim de minimizar o esforço físico dos agroextrativistas.
De acordo com a pesquisadora, tradicionalmente, os trabalhadores carregam sacos ou paneiros de castanha, atividade que, ao longo do tempo, pode causar sérios problemas ergonômicos, como dores na coluna. “Nossa meta é reduzir esse impacto e tornar a atividade menos exaustiva. A parceria com a Embrapa Acre, além de facilitar a instalação dos cabos aéreos – semelhantes a tirolesas-, dentro da floresta, resultou no mapeamento preciso das castanheiras. Com essas informações, os extrativistas poderão ampliar as áreas de coleta em outras regiões da reserva ainda inexploradas”, destaca.
Outro aspecto apontado pela pesquisadora é que novas tecnologias podem atrair jovens para o extrativismo, que hoje não querem mais continuar na atividade dos pais, especialmente pelo grande esforço físico exigido na coleta e transporte primário da castanha-da amazônia, devido ao peso dos produtos e às longas distâncias.”, afirma.
Silva pontua ainda que, com a varredura do Netflora, novas espécies florestais de interesse comercial foram identificadas, como breu, baru e copaíba, entre outras, e também poderão ser manejadas na Reserva do Uatumã. A expectativa é que o mapeamento mais amplo das espécies na reserva auxilie os extrativistas na estimativa de produção e coleta, e possa trazer benefícios significativos para a comunidade local.
A identificação das castanheiras, no ambiente natural, não é uma tarefa fácil, devido à grande diversidade florística existente nas florestas tropicais que pode chegar a uma multiplicidade de até 300 espécies por hectare. “Essa configuração se torna um dos principais desafios durante a realização do inventário”, observa a pesquisadora.
Foto: Mauricilia Silva
Integração entre ciência e saberes tradicionaisA integração da inteligência artificial ao inventário florestal representa um avanço significativo para a gestão sustentável dos recursos naturais. Para Orfanó, essa tecnologia não apenas moderniza os métodos tradicionais de mapeamento, mas também fortalece as comunidades locais, oferecendo ferramentas que facilitam e aprimoram o seu trabalho diário.Com acesso a dados precisos sobre a localização e distribuição das castanheiras e de outras espécies de interesse, os extrativistas poderão ampliar suas áreas de coleta de maneira organizada e responsável. Essa iniciativa promove uma exploração mais eficiente e sustentável desses recursos naturais, além de reduzir impactos ambientais e assegurar a conservação da floresta a longo prazo.“Mais do que uma inovação tecnológica, esse projeto representa um avanço na integração do conhecimento científico com o saber tradicional, promovendo o uso da terra de forma equilibrada e sustentável”, destaca o pesquisador. |
IA amplia conhecimento sobre a diversidade da floresta amazônica
A realização de novos voos em diferentes áreas de floresta tem sido fundamental para expandir o banco de dados do Netflora. Os primeiros treinamentos dos algoritmos começaram com cerca de 30 mil imagens, mas, com os novos sobrevoos, esse número mais que dobrou. A meta dos pesquisadores é alcançar entre 100 mil e 150 mil imagens, número que permitirá treinar os algoritmos de forma mais robusta e ampliar a aplicação da ferramenta em diferentes biomas.
Orfanó enfatiza que a IA já demonstrou uma capacidade avançada de identificar padrões regionais e realizar comparações entre espécies semelhantes. “Por exemplo, já é possível reconhecer a copa de uma palmeira da região Nordeste e classificá-la corretamente, mesmo em áreas nunca antes analisadas”, relata.

Imagem: Evandro Orfano
O pesquisador ainda explica que o sistema foi treinado para identificar espécies com base em dados provenientes de diversas regiões, demonstrando um grande potencial para mapear e classificar automaticamente novas áreas. “A IA reconhece padrões específicos, aspecto que facilita a identificação de novas espécies e o enriquecimento contínuo do banco de dados do Netflora”, acrescenta.
Outro avanço significativo foi a análise das imagens coletadas pelos drones, que, ao serem cruzadas com dados existentes, possibilitaram um enriquecimento substancial do banco de dados. Dessa forma, além das espécies já conhecidas, o algoritmo identificou muitas outras, incluindo diferentes tipos de palmeiras, clareiras e árvores mortas, ampliando o conhecimento sobre a diversidade da floresta amazônica.
Como utilizar a metodologiaDe livre acesso, o Netflora está disponível no repositório do GitHub e pode ser facilmente executado por meio de um Notebook Colab simplificado (plataforma colaborativa aberta e gratuita, hospedada na nuvem do Google).O uso da metodologia não demanda conhecimentos especializados, o passo a passo para sua adoção poderá ser conferido no curso Detecção de espécies florestais com uso do Netflora, de acesso gratuito, na plataforma e-campo, ambiente de aprendizagem virtual da Embrapa. Para mais informações sobre como utilizar os algoritmos treinados, acesse a página do Netflora. |