O IBGE divulgou em 14/11 os resultados do Projeto de Contas Regionais, realizado em parceria com órgãos estaduais e a SUFRAMA, trazendo um panorama atualizado do PIB brasileiro e das economias estaduais pela ótica da produção. Os dados referentes a 2023 evidenciam forte heterogeneidade regional e destacam o desempenho excepcional do Acre naquele ano.
Em 2023, o PIB do Brasil alcançou R$ 10,94 trilhões, enquanto o PIB do Acre somou R$ 26,3 bilhões, o
equivalente a 0,2% da economia nacional. Apesar dessa pequena participação relativa, o Acre registrou
o maior crescimento entre todos os estados, com uma expansão de 14,7%, muito superior ao avanço da Região Norte (2,9%) e ao crescimento médio nacional (3,2%). Apenas 14 estados superaram a média do país, e nenhum apresentou desempenho tão expressivo quanto o acreano. As atividades que mais contribuíram para esse salto foram a Agropecuária e a Administração Pública, setores historicamente estruturantes da economia local.
A análise de longo prazo também coloca o Acre em posição de destaque. Entre 2002 e 2023, o crescimento médio anual do PIB brasileiro foi de 2,2%, enquanto o Acre cresceu 3,9% ao ano, integrando o grupo de 17 estados que superaram a média nacional. No ranking das maiores taxas de expansão no período, o estado ocupa a 4ª posição, atrás apenas de Mato Grosso (5,2% a.a.), Tocantins (4,9% a.a.) e Roraima (4,5% a.a.), todos integrantes da fronteira agropecuária e florestal do país.
Apesar do desempenho robusto, a estrutura econômica de pequena escala mantém o Acre na 26ª posição no ranking do PIB total, à frente apenas de Roraima. Contudo, quando se observa o PIB per capita, o resultado é mais favorável: o Acre atingiu R$ 31.675, ocupando a 17ª posição nacional, abaxo da média da Região Norte (R$ 36.678), mas superando dez estados — entre eles Pará, Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão. Esse indicador reforça que, embora a economia seja pequena, sua renda por habitante não está entre as mais baixas do país.
Em síntese, os dados das Contas Regionais confirmam a tendência de aceleração econômica do Acre,
combinando forte expansão recente, dinamismo acima da média nacional no longo prazo e capacidade
crescente de geração de renda per capita. O desafio permanece na ampliação da base produtiva, diversificação econômica e qualificação dos setores que impulsionaram o avanço em 2023, especialmente a Agropecuária.
Na tabela a seguir apresenta a evolução da estrutura produtiva do Acre, medida pela participação percentual dos setores no Valor Adicionado Bruto (VAB) entre 2002 e 2023. A análise revela mudanças importantes na composição da economia estadual, especialmente no crescimento da agropecuária, na queda da indústria e uma permanente significancia na participação da administração pública.
A economia acreana mantém, ao longo das duas últimas décadas, um perfil fortemente orientado para o setor público e de serviços, com a administração pública respondendo por cerca de 35% a 41% do VAB durante praticamente todo o período. Comércio e outros serviços também apresentam participação elevada e relativamente estável, evidenciando uma economia ainda com forte dependência do setor terciário.
Diz o texto do IBGE: “O bom desempenho da Agropecuária, em especial do cultivo de soja, teve
contribuição decisiva para o crescimento do PIB do Acre (14,7%), Mato Grosso do Sul (13,4%), Mato
Grosso (12,9%) e Tocantins (7,9%)”. Considero necessária uma reflexão mais cuidadosa sobre a
interpretação apresentada pelo IBGE, segundo a qual a soja teria desempenhado papel determinante no bom desempenho recente da agropecuária acreana. A seguir, desenvolvo uma análise abrangente do setor, com foco no comportamento das principais cadeias produtivas entre 2016 e 2023.
Pecuária sustenta o Acre durante a pandemia enquanto lavouras desabam 44%
Os dados do VBP agropecuário do Acre durante a pandemia revelam que as lavouras foram o setor mais afetado, acumulando uma queda dramática de –44,5% entre 2019 e 2022. As quebras sucessivas refletem os efeitos combinados do aumento de custos, dificuldades de logística e redução da força de trabalho rural no auge da crise sanitária.
Na contramão desse cenário, a pecuária bovina mostrou estabilidade e resistência, registrando variações
modestas e encerrando o período com crescimento acumulado de 17,5%. Com cadeia produtiva mais
consolidada e menor dependência de insumos externos, o segmento sofreu pouco impacto quando comparado à agricultura.
O contraste entre lavouras e pecuária ajuda a explicar o desempenho geral moderado do VBP do estado — queda de 13,3% no acumulado da pandemia — e confirma a importância estratégica da bovinocultura para sustentar a produção agropecuária acreana em momentos de crise.
Portanto, o movimento observado em 2022/2023 também reflete um efeito de recomposição natural: após as quedas severas do período pandêmico — que atingiram especialmente as lavouras — era de se esperar um crescimento expressivo, puxado pela recuperação dos preços, pela reorganização das cadeias produtivas e pela normalização gradual das condições de produção. Mesmo assim, os dados mostram que essa retomada não alterou a estrutura de fundo: a soja segue expressiva nas exportações, mas mantém participação reduzida no VBP. Já a pecuária, o extrativismo — impulsionado pelo cooperativismo e pelos pagamentos por serviços ambientais (PSA) — e algumas lavouras tradicionais continuam sendo os verdadeiros vetores da recuperação.
A agropecuária acreana passou por mudanças significativas entre 2016 e 2023.
A pecuária bovina consolidou sua liderança, ampliando sua participação no VBP e mantendo estabilidade produtiva. Em contraste, culturas tradicionais como mandioca e banana perderam importância, enquanto o extrativismo florestal voltou a ganhar força a partir de 2021, impulsionado pelo cooperativismo e pelo pagamento de serviçso ambientais (PSA) pagos para castanha e pera borracha . Novas cadeias surgiram, como soja — ainda de pequena escala — e milho, que apresenta crescimento consistente. O café também avança gradualmente, especialmente no Vale do Juruá que pelos indicadores pode ser uma grande força da agropecuária acreana.
Esse conjunto de movimentos indica um processo de reestruturação produtiva: a pecuária se fortalece, lavouras tradicionais recuam e atividades extrativas e agrícolas modernas se expandem. Por isso, não procede a interpretação de que a soja teria sido determinante para o desempenho da agropecuária entre 2022 e 2023. Sua participação no VBP permanece reduzida e concentrada, sem capacidade para influenciar o resultado agregado.
A evolução do VAB agropecuário no PIB, confirma essa leitura: após queda em 2020, houve forte recuperação em 2021 e 2022, seguida de ajuste em 2023, refletindo tanto ciclos produtivos quanto o fortalecimento das cadeias tradicionais, especialmente a pecuária. Durante a pandemia, foram justamente a pecuária, o extrativismo e culturas consolidadas — como milho e castanha — que sustentaram a produção, enquanto as lavouras sentiram mais intensamente os impactos.
Apesar dos avanços, o PIB acreano segue ancorado na pecuária e na administração pública, que mantêm estabilidade estrutural. O desafio agora é transformar a recuperação recente em desenvolvimento duradouro, diversificando a produção, fortalecendo o cooperativismo, ampliando a inovação agrícola e reduzindo a dependência do setor público. O desempenho do Acre indica que há potencial claro para isso, desde que se consolide uma estratégia contínua de modernização econômica.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas
