“É um enfrentamento que está muito longe do que é necessário”

Dirigente da SOS Amazônia avalia que o Orçamento Climático do Acre tem apelo midiático, mas carece de ações estruturantes em saneamento, justiça climática e bioeconomia.

Miguel Scarcello critica a proposta do Orçamento Climático do Acre e cobra ações mais estruturantes nas áreas de saneamento e justiça climática. Crédito: Jornal A Gazeta

Miguel Scarcello, dirigente da ONG SOS Amazônia, tem uma visão crítica da necessidade de criação do Orçamento Climático, proposto pelo Governo do Acre. Avalia que tem um apelo midiático forte e que as ações de governo estão distantes daquelas que são necessárias ou estruturantes. Ao ac24agro, ele deu a seguinte entrevista sobre o assunto.

O Orçamento Climático é uma ferramenta institucional necessária ou é uma ferramenta midiática pré-COP30?

Eu entendo que não seja necessário. Entendo que não seja necessário. Mas é uma ferramenta que eu estou entendendo que seja para dar mais facilidade para que os doadores e os outros atores possam ter uma medida de efetividade das políticas ou do investimento, algo assim como um instrumento de monitoramento para tornar público. Porque ele traz diversos indicadores, né? E aí você pode aferir em cada área do orçamento. Eu acho desnecessário porque isso poderia ser muito bem medido em cada orçamento de cada área. Mas é claro que tem um caráter midiático forte, né?

Na sua avaliação, na prática, pode não ter o efeito necessário?

Na prática, ele não significa um aumento de valores para enfrentamento às mudanças climáticas e priorizações. Por enquanto, não se sabe o que, de fato, vai se eleger em cada área a ser trabalhada e ser combinada. Por um lado essa ferramenta até eles se organizarem  um pouco, né?  Acho que deve ter muitas tentativas para melhorar essa questão. E isso pode ser um instrumento mesmo prático. Mas, de fato, é um enfrentamento que está muito longe do que é necessário. Não tem nenhum indicativo concreto pra isso.

Pelo que você conhece da política ambiental do Acre, quais desses indicadores que você lembra poderiam ser priorizados para mudar as coisas por aqui?

Nesse caso, eu priorizaria, de início, que eu acho para atender essa demanda e mudar as coisas por aqui… eu considero a área de mitigação, área de adaptação e a área de Justiça Climática. Essas três áreas são importantíssimas.

Essas áreas protegem os mais vulneráveis…

Que são os que vão sofrer com isso tanto população rural quanto população urbana, que é a maioria no estado, né? Que são todos saídos dos seringais e das áreas rurais de assentamentos e foram morar nas áreas urbanas… essas pessoas precisam urgentemente de ter água encanada em casa, esgoto coletado, isso é fundamental. Todo o sistema de saneamento operando corretamente. E essa mesma preocupação precisamos ter na área rural. Oferta de estrutura de captação de água de chuva, de armazenamento, tratamento de esgoto… é o mínimo de condição social básica para uma família viver saudável.

Mas as prefeituras estão sem condições de investimento. A questão da destinação dos resíduos sólidos é caótica no Acre.

Eh… tem muito lixo espalhado por aí. Mas essas três áreas que falei são fundamentais. E aí é aquela busca contínua por territórios adequados para assentamentos, para moradia popular, que não fique nas áreas de risco.

Outro problema estruturante da nossa pecuária e da nossa agricultura e que acaba repercutindo negativamente nos indicadores ambientais é a questão da regularização fundiária.

É preciso construir um arranjo adequado. Isso exige muito sacrifício, mas é preciso fazer isso para beneficiar, sobretudo, essas famílias que mais precisam na área rural. Além disso, outra coisa que é fundamental é o fortalecimento da bioeconomia e desenvolvimento sustentável. Um incremento dessa economia florestal com mais industrialização, mais capacidade de a população local conduzir as atividades produtivas com mais conhecimento tecnológico.

Você alimenta alguma esperança de que o Orçamento Climático seja eficaz?

Eu acho que essas políticas teriam que ter investimento contínuo. O Orçamento Climático que eles vão propor não vai fechar nisso né? Os investimentos em Educação, por exemplo. As escolas de tempo integral funcionando plenamente. Como nós podemos nos adaptar a essas mudanças climáticas? Como agir? É preciso criar um hábito comunitário para enfrentar isso? Isso é um conhecimento interessante que pode vir pela educação ou até pela educação ambiental.

Na segunda-feira, o Governo do Acre, junto com o Fórum Empresarial de Inovação e Desenvolvimento do Acre e Embrapa, lançou o Selo Verde Acre. A ferramenta de monitoramento foi apresentada com capacidade de fazer um diagnóstico socioambiental das propriedades rurais em todo Estado. Um dos “produtos” dessa ferramenta, no futuro, é a rastreabilidade do gado, por exemplo. Você entende que essa ferramenta é importante?

Tudo que seja para fazer com que a produção econômica seja mapeada, possa revelar os impactos que ela causou, é fundamental. Então, eu acho que ter esse rastreamento do gado seria ótimo. Pode ser um indicador bem concreto, né? Espera-se que defina-se bem essas ferramentas. Mas eu acho que com a Embrapa envolvida o rigor técnico é muito alto. Então, vai possibilitar gerar informações bem realistas. Então, eu acho importante. Necessário. Quanto mais cedo, melhor.

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