A vigilância e a sacudida no espírito

Assembleia Legislativa aprova norma que redefine regras para transporte das plantas usadas no feitio da ayahuasca no Acre.

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Flor do Mariri: foto de Eufran Amaral.

Um avanço que pode se tornar referência para o país foi aprovado na Assembleia Legislativa do Acre no último dia 15 de setembro. E quase ninguém ficou sabendo. De autoria do deputado estadual Edvaldo Magalhães (PCdoB), a Lei nº 4.645 (cuja relatoria ficou com o deputado do PSD Eduardo Ribeiro) altera um texto que já havia sido aprovado na mesma Casa em 1994: trata da regulamentação e do transporte das plantas usadas no feitio da ayahuasca. A formalidade do texto jurídico empata o entendimento do avanço. É bom ir à prática.

Manchetes de vários sites locais do dia 1/11/2024: “Homem é detido com meia tonelada de matéria-prima da ayahuasca”; “Em Cruzeiro do Sul, PM realiza apreensão de 50 sacas de cipó que produz chá da ayahuasca sem licença ambiental”.

Quinze dias depois, as manchetes foram renovadas com o seguinte teor: “Polícia faz nova apreensão de matéria-prima da ayahuasca no Acre”.

O conjunto composto pela manchete; a disposição de destaque na página, acompanhada da foto do material apreendido mostra, na prática, como foi necessária essa regulamentação proposta pela Aleac e sancionada pelo Governo do Acre. Esses episódios mais recentes evidenciam também que até mesmo as forças de Segurança não vacilam em criminalizar a ayahuasca.

Antes de apelar para a Assembleia Legislativa do Acre, pessoas que são preocupadas com a defesa do uso da ayahuasca como elemento cultural, espiritual e como parte das identidades de vários povos amazônicos, buscaram apoio no Conselho Estadual de Meio Ambiente. O assunto foi recebido com indiferença. Uma distância que quase andou de mãos dadas com a intolerância.

Atentas, essas lideranças perceberam que havia uma circulação, um movimento muito maior dos insumos para feitio da ayahuasca do que seria necessário para um uso ritualístico de alguns centros na área urbana. Era evidente que aquela regulamentação de 1994 não estava mais dando conta de abarcar o que estava acontecendo no mundo real.

De 1994 pra cá, lá se vão 31 anos. Muita coisa muda em 31 anos. As lideranças de diferentes comunidades ayahuasqueiras estavam preocupadas com a comercialização ilegal dos insumos para feitio do chá em grande escala. Era preciso uma nova movimentação no plano legal para reorganizar minimamente a ordem perdida. Em alguma medida, as manchetes dos jornais revelam que a situação estava saindo do controle.

A lei cria um regime de licenciamento, dividido em três categorias: “Reduzidíssimo”, “Reduzido” e “Baixo”. Tudo depende do volume de material. É evidente que as comunidades indígenas não serão afetadas: a quantidade é reduzida e o uso está restrito àquela comunidade. O problema são os centros na área urbana. O foco da lei está aí: no transporte dos insumos para centros ayahuasqueiros nas cidades.

Para cada uma das categorias, há limites de quantidade de insumos a serem transportados e diferentes posturas relacionadas aos órgãos de fiscalização, obedecendo à lógica de “quanto maior a quantidade transportada, mais tarefas e informações a disponibilizar ao órgão fiscalizador”. Neste caso específico, o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).

O processo todo foi importante para demonstrar como há pessoas atentas para a defesa da mais genuína expressão cultural do Acre e da Amazônia. E acabaram ajudando a criar uma regulamentação que pode servir de referência para todo o país. O fato de algumas instâncias públicas ainda não terem despertado para a importância disto é até bom: sacode o espírito e exige que ele não permita vacilos. Ponto para a Aleac, que soube ouvir e compreender esse movimento.

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