Nem tudo é euforia quando se fala em café no Acre. O entusiasmo com que governos, agências de fomento e produtores tratam do assunto nos últimos cinco anos esconde o drama vivido pelo setor industrial. O presidente da Cooperativa de Produtores de Café do Vale do Juruá (Coopercafé), Jonas Lima, sabe disso como poucos. Em uma breve entrevista, embala o otimismo do setor para 2026, mas trata, com coragem incomum na rotina econômica local, dos gargalos da cadeia comercial do café. E responsabiliza o Governo do Acre pelo atual panorama de crise porque passa a indústria do setor no Acre por falta de proteção. O setor industrial não comemora os avanços da produção cafeeira porque, da forma como está o cenário, ela se sente quase excluída da cadeia produtiva. E, por enquanto, não fala em demissões.
ac24agro: Você está otimista em relação a 2026?
Eu estou muito otimista.
Por quê?
Porque a produção de café está com excelentes perspectivas. Em 2026, pelos nossos cálculos, aqui na região, vamos colher entre 50 a 55 mil sacas de café. Isso dá algo em torno de três mil e trezentas toneladas de café. São mil e cem bi-trens que devem sair daqui de Mâncio Lima com o nosso café.
É evidente que o café vive um momento de produção inédito. Não que o Acre esteja produzindo café só agora. Produz-se café por aqui há 50 anos, pelo menos. A diferença é que nunca se produziu nesse volume e com a atual qualidade.
Isso é verdade.
Se isso é verdade, por que o setor industrial cafeeiro vive uma crise de estrutura?
Opa! Deixa eu fazer uma ressalva aqui. Olhe, nós da Coopercafé participamos agora há pouco do Exporta Mais na Bahia [mediação promovida pela ApexBrasil com clientes internacionais]. É uma coisa de maluco o que está sendo feito pelo presidente Lula e pelo Jorge Viana. Muito bom mesmo. Deixamos encaminhados pedidos para o Canadá e vamos estabelecer parceria com uma empresa de São Paulo para exportar para a China ano que vem. Isso tudo é muito bom.
E onde entra a indústria acreana nisso?
Se acalme. Mas eu não abro mão de alimentar a nossa indústria local.
Mas, então, por que a indústria cafeeira local está em crise?
Porque o Governo do Acre não fez nada para proteger a indústria daqui. A porteira está aberta para entrar café de outros estados no Acre. São 26 indústrias locais me parece que geram empregos, pagam impostos e têm tido um tratamento desigual com indústrias de outras regiões do país.
Desigual de que forma?
Desigual na medida em que elas entram aqui com um preço de venda abaixo do custo das indústrias daqui.
Isso não é bom para o consumidor?
Depende. Isso tem um custo social alto, grave. Se essa situação persistir, por exemplo, a indústria do Acre vai começar a falar em demissões. E aí? Quem vai pagar por isso? Isso é barato? Isso acaba saindo muito caro ao próprio governo.
O que o governo deveria fazer?
Proteger a indústria local. Como é feito em todo canto. O que está sendo permitido fazer aqui é um absurdo. Quando o governo abre editais, as empresas pasteiras, que não têm nenhum compromisso nem com o produtor e nem com as indústrias, compram o café de fora, ruim. E vendem aqui, para o governo.
Como funciona esse esquema das empresas pasteiras?
Funciona assim: as empresas são ligadas a deputados. As secretarias abrem os editais. Essas empresas, que não têm nenhuma relação com o produtor e nem com o industriário daqui, ganham pelo critério menor preço, e invadem a estrutura de governo.
E tem deputado envolvido nessas empresas?
Mas… meu Deus! Todo mundo sabe disso. Eu mesmo já falei com o governador Gladson Cameli. Pedi para ele resolver essa situação. Uma vez que ele veio aqui em Mâncio Lima eu o chamei em um canto e pedi, falei também com o presidente Nicolau e disse que essa situação era insustentável. O pasteiro não tem nada a perder. Nós temos.
Recentemente, foi apresentado um projeto de lei na Assembleia Legislativa que tenta ajustar essa situação.
É o projeto de Edvaldo Magalhães. Isso vai corrigir esse erro do Governo. Já existia o programa de Compras Governamentais, mas, por falta de uma atuação firme do governo, estava quase sem efeito.
Há também uma campanha de estímulo ao consumo de produtos das indústrias locais.
Mas sem o principal comprador, pode fazer a campanha que for. O governo é quem induz, é quem aponta. Se não houver proteção, a indústria local vai continuar sem comemorar os avanços que estamos tendo na produção.
