Quando um “apesar” diz muito sobre tudo

Análise do discurso do secretário de Fazenda revela contradições sobre as exportações acreanas e o papel do setor produtivo e das políticas públicas no avanço econômico do estado.

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Frigoríficos acreanos ampliaram capacidade de abate e buscam novos mercados internacionais, enquanto governo celebra resultados das exportações.

A entrevista do secretário de Estado de Fazenda, Amarísio Freitas, no Bar do Vaz, durante a semana passada, merece uma reflexão mais cuidadosa. Sobretudo por aquilo que não foi dito. O que vai se falar aqui não guarda relação com o contorcionismo retórico a respeito do absurdo de se colocar o FPE como garantia de empréstimos. Como as linhas deste editorial têm compromissos mais estreitos com as questões relacionadas ao setor produtivo, é preciso focar energia em uma parte da conversa em que o administrador público tratou das exportações acreanas e da importância do setor agropecuário.

Despretensiosamente, o entrevistador pergunta “E as nossas exportações…?” A resposta será transcrita: “Graças a Deus e ao bom produtor acreano, as exportações, como a própria questão da carne, tanto a Dom Porquito, quanto as outras atividades (sic) da região na questão de alimentos, acaba ajudando a manter essa arrecadação [a pergunta anterior havia sido sobre a queda na arrecadação do ICMS]. Antigamente, vendia só gado em pé e hoje vendemos carne processada”.

A resposta é interessante em vários aspectos. O primeiro guarda relação com os elementos causais. Para o secretário, há apenas dois personagens que respondem por parte dos US$ 87,3 milhões exportados pelo Acre em 2024. Pelo que foi dito (frise-se: pelo que foi respondido e está gravado): “Deus e o bom produtor acreano” são os responsáveis.

É evidente que foi apenas uma figura de linguagem: os dois poderosos citados foram a síntese de outros que queriam ser ditos pelo secretário. É óbvio que Amarísio Freitas sabe, embora tenha se esquecido de falar, que há muita política pública responsável pelo aumento de 60,5% do desempenho das exportações acreanas de 2024, comparado a 2023. Caso queira comparar a 2022, o desempenho do ano passado foi ainda mais expressivo: 90,6% maior.

Além de órgãos como a própria Secretaria de Estado de Indústria, Ciência e Tecnologia, Sebrae, Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex), Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Ministério da Agricultura, Ministério das Relações Exteriores, para citar atores mais imediatos, além disso tudo, há a fundamental participação do setor privado acreano. É muito esforço, muita energia, dinheiro e trabalho de muita gente para ser excluído da uma análise minimamente responsável com os fatos.

Mas há algo ainda mais grave. Pelo que foi dito (novamente, frisa-se: pelo que foi dito na entrevista), após reconhecer a importância do setor agropecuário na agenda de exportações acreanas, o secretário compara: “Antigamente, vendia só gado em pé e hoje vendemos carne processada”. A análise do gestor é cartesiana: antigamente, vendia-se só gado em pé e, hoje, graças a Deus e ao bom produtor acreano, vendemos carne processada. E isso fez aumentar as exportações.

É preciso ser justo. As exportações acreanas registraram US$ 87,3 milhões em 2024, como já dito. Reforçando o que o secretário da Fazenda Pública reconheceu, a carne bovina respondeu por 30,5% desse montante. Algo próximo de US$ 26,6 milhões. Esses números não seriam possíveis; o Estado do Acre não estaria celebrando esse aumento nas exportações se não houvesse investimentos do setor privado. A capacidade de abate praticamente dobrou. Foram feitos investimentos que ultrapassam R$ 100 milhões em ampliações de plantas industriais. Qual outro segmento da economia regional tem investido tanto?

Há outro fator relevante sobre o aumento das exportações acreanas que não é dito em nenhuma fala oficial do Governo do Acre: o trabalho do Governo Federal, em suas mais diferentes instâncias, para abertura de novos mercados. Sem isso, as exportações acreanas não teriam melhorado. A diplomacia presidencial praticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é preciso ser reconhecida, goste-se ou não dele. O fato é que os mercados estão sendo abertos, um após outro. Em 2022, quando o presidente do Brasil mangava dos chineses, o Acre exportou apenas US$ 45,8 milhões. Repete-se: ano passado, o Acre alcançou US$ 87,3 milhões. A diferença é grande.

Falando especificamente do setor pecuário, é inegável também a importância de ter o acreano Jorge Viana articulando junto aos ministérios para que os frigoríficos locais tenham suas habilitações homologadas. Aliás, quem de nós sabia o que diabos significava “Apex” antes de Jorge Viana assumir a presidência desta agência? Sejamos sinceros! É preciso dizer os fatos com clareza, sem receio.

Para finalizar, é preciso atentar para um perigo que se avizinha: nos dias 23 e 24 de outubro (quinta e sexta-feira) em Jakarta e nos dias 25 e 26 em Kuala Lumpur, na Malásia, haverá presença de dois frigoríficos do Acre como parte integrante da missão brasileira no sudeste da Ásia.

A Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos organiza Fóruns Econômicos em cada uma das cidades, com o objetivo de explorar as relações comerciais e identificar possíveis bases comuns de cooperação econômica. Em Kuala Lumpur, aliás, acontece a reunião de cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean). Um fórum qualificado em que existe a possibilidade de diálogo formal entre os presidentes Lula e Trump para rever a sobretaxa norte-americana de 40%, inclusive sobre a carne brasileira.

No que se refere ao Acre, existe a possibilidade real de que mais dois mercados sejam abertos a dois frigoríficos daqui. Há uma equação com duas incógnitas. No universo dos Números Reais, não há solução possível. Vejamos:

A equação é a seguinte: os frigoríficos acreanos aumentam investimentos; ampliam capacidade de abate; empregam de forma direta, aproximadamente, três mil funcionários; junto ao Governo Federal, conseguem autorização para vender para mais países e, mês a mês, a indústria local vê uma sangria de gado saindo do Acre para ser abatido e processado em outros estados, gerando empregos e receitas em outros lugares. Essa equação é um perigo. Apesar disto tudo, a indústria frigorífica do Acre persiste.

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