Há mais de duas décadas, o pagamento do subsídio da borracha no Acre é uma das políticas públicas mais consistentes do Brasil para valorizar a economia em volta da floresta em pé. Criada em 1999 para garantir uma renda mínima aos seringueiros, a iniciativa evoluiu de um apoio exclusivo à borracha para uma estratégia integrada de serviços ambientais. Agora, em 2025, vive sua maior transformação: o pagamento direto ao produtor, sem intermediários.
Raimundo Mendes de Barros, seringueiro e extrativista, primo de Chico Mendes, é o atual líder da resistência dos seringueiros e uma das figuras mais importantes na luta pelos povos da floresta, “meu companheiro, o subsídio é o incremento à nossa borracha, muito importante mesmo”. Também conhecido como Raimundão, destaca a importância do subsídio enquanto política pública positiva e necessária para as comunidades extrativistas.
A aplicação do pagamento aos extrativistas segue determinação legislativa sob a Lei Estadual nº. 1.277, de 1999. Conforme a nova determinação aplicada pelo governador Gladson Camelí, a partir do Decreto de nº 11.564/2024, a modernização no repasse do pagamento visa alcançar agilidade, transparência e inclusão da categoria.
Odair Nascimento Lima, filho de seringueiro e extrativista da borracha há três anos, conhece na pele os desafios da atividade. “Aprendi com meu pai, que cortou seringa por décadas. Ele parou porque a borracha perdeu valor, não dava mais para sustentar a família”. Como muitos, ele viu a expansão da pecuária substituir a extração sustentável, “muitos foram obrigados a trabalhar no desmatamento para plantar pasto”.
Para Odair Nascimento, o subsídio é vital para manter viva a cultura seringueira e a floresta em pé. “Recebemos R$ 2,30 por quilo, mas é pouco e os repasses estão atrasados, recebemos só 10 meses em 2023, e os anos anteriores estão pendentes”. Ele destaca a importância das cooperativas, como a Cooperativa dos Extrativistas do Acre – Cooperacre, e a Cooperativa Agroextrativista Bonal – Coopbonal, que intermediaram o acesso ao benefício, mas defende que elas também precisam de apoio. “É um trabalho dificultoso, precisamos cumprir regras ambientais, zelar pela qualidade do produto e pela natureza”, disse o produtor.
A demora nos repasses e a burocracia eram indício de entraves que duram muito tempo. Wally Stanley Araújo de Oliveira, engenheiro-agrônomo e chefe da Divisão de Pagamento por Serviços Ambientais da SEAGRI, explica que “o pagamento era feito via cooperativas, que precisavam prestar contas de cada produtor, um erro em um documento paralisava tudo”.
A solução veio com a modernização de pagamento direto na conta do seringueiro. “Agora o produtor recebe direto via Poupança Social do Banco do Brasil, basta ele desbloquear o valor pelo aplicativo”, detalha Wally. Em 2024, a previsão é injetar R$ 1,2 milhão em mais de mil produtores. Para 2025, a meta é atingir 1.600 beneficiários, “queremos pagar as safras de 2024 e 2025 até dezembro do próximo ano”.
Seguindo o decreto n.º 11.564, de 11 de outubro de 2024, que institui o novo método de pagamento do subsídio, os valores sofreram um acréscimo e variam por tipo produto: o látex nativo paga R$ 4,40/kg; o látex de cultivo paga R$ 4,20/kg; a folha defumada líquida paga R$ 3,50/kg; o coágulo virgem prensado (CVP Nativo) paga R$ 2,30/kg; e o coágulo virgem prensado (CVP Cultivo) paga R$ 1,30/kg.
Apesar da modernização no pagamento e no aumento do valor a ser pago aos seringueiros, Wally Stanley admite que ainda existem desafios a serem superados, “precisamos modernizar a cultura de toda a cadeia, os produtores agora devem levar suas notas fiscais aos escritórios da SEAGRI a partir de 15 de setembro de 2025 para requerer o pagamento”. Outro gargalo é a falta de um sistema digital específico, já que hoje em dia, todos os dados para pagamentos funcionam com planilhas.
Segundo Odair Nascimento, o subsídio é mais que um complemento de renda, é um estímulo à preservação, “se não houver apoio [pagamento do subsídio], daqui a alguns anos não teremos mais borracha, já está cada vez mais quente e é difícil trabalhar o dia todo no campo, precisamos replantar, manter a floresta para as futuras gerações.”
Raimundão relata que não há dissociação entre o trabalho das famílias na floresta e a preservação do meio ambiente, a manutenção do subsídio e o ajuste correto e eficaz é refletido na não necessidade de trabalhos adjacentes ao desmatamento, que por vezes acaba sendo a única alternativa quando os produtos extraídos como óleos, castanhas, borracha e frutas não possuem condições de cultivo e venda, e, tampouco, receptividade no mercado.
“Se tiver um subsídio pago de forma atualizada e com um valor melhor, sem dúvida nenhuma, isso ajudaria e muito a diminuir esse comportamento de alguns ao estarem desmatando para criar gado e derrubando as castanheiras”, diz o líder extrativista.
O futuro da floresta
O pagamento direto do subsídio aos extrativistas inaugura uma etapa nos trâmites burocráticos, cada envio tal como seus valores são registrados por CPF, possibilitando melhores condições para fiscalização, segundo o governo do Estado. No entanto, ainda é preciso escalar condições favoráveis aos seringueiros e valores justos no mercado sob os produtos da floresta.
A presidenta do Comitê Chico Mendes e filha de Chico Mendes, Angela Mendes, reflete sobre a necessidade de compreender o rendimento do extrativista que hoje não depende somente de um insumo.
“A borracha é um único produto, a composição de renda do seringueiro é feita de forma mais ampla, tem a castanha, o açaí, e outras formas e produtos que vão compor essa cesta, e é isso que vai formando a renda do extrativista”, diz a ambientalista.
Com a chegada da 30ª Conferência das Partes (COP30), com sede em Belém, no Pará, a Amazônia brasileira assume um papel de protagonista da conferência, que já soma cerca de 79 países até o momento, segundo levantamento da Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop).
A conferência traz luz às questões climáticas a fim de buscar alternativas unificadas para a superação dos seus agravantes. Angela Mendes relata que a relação entre o extrativista e a floresta supera o panorama econômico, “(…) através dos seus afazeres, conhecimentos e da própria atividade do dia a dia, a floresta se mantenha em pé e estamos falando de um debate que é global, um debate sobre questão climática”.
Angela Mendes finaliza alertando sobre a necessidade de manter o equilíbrio do meio ambiente a partir do uso justo e consciente, sem esquecer que “o que essas pessoas (extrativistas) fazem também é estratégico para manter a floresta em pé”.
A trajetória do subsídio da borracha reflete um amadurecimento da política socioambiental acreana. Se em 1999 o foco era garantir R$ 0,40 por quilo de borracha, hoje a estratégia possui diversas finalidades como combater o desmatamento, valorizar a bioeconomia e reconhecer os serviços ambientais prestados pelas comunidades tradicionais.
“É muito importante que as autoridades tenham um olhar mais preparado, sem apoio, não tem como manter a floresta em pé”, diz Odair Nascimento.