O Ministério Público Federal apresenta nesta quarta-feira (14) os resultados do segundo ciclo unificado de auditorias na cadeia econômica da pecuária na Amazônia Legal. Essa fiscalização do MPF em busca de promover uma pecuária legal e sustentável tem reacendido o debate em torno da “rastreabilidade da carne”, um desafio tanto para produtores de carne quanto para governos.
O monitoramento está previsto no programa Carne Legal, criado há 16 anos pelo MPF. O foco do órgão federal é quebrar a cadeia comercial da carne produzida em áreas que sejam motivo de embargos ambientais (seja por desmatamento ou queima ilegais); uso de mão de obra análogas à escravidão ou em áreas sem regularização. O objetivo é fazer com que a carne produzida no país respeite toda a legislação ambiental e trabalhista.
“Eu acho que é uma falta de realismo, de conhecimento do Brasil e especialmente da Amazônia querer implantar a rastreabilidade à similaridade da Europa, onde cada um tem 20 cabecinha de gado ou mesmo que o Uruguai”, compara o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária (Faeac), Assuero Veronez.
O presidente da Faeac calcula que, atualmente, o rebanho em toda a região tenha algo entre 90 a 100 milhões de cabeças. Mas a manutenção e alimentação dessa cadeia está, sobretudo na base, no pequeno produtor. “Não temos nem regularização fundiária ou regularização ambiental. Você implantar um sistema complexo para tentar controlar todo o rebanho da região, fazendo uma restrição enorme, vai prejudicar àqueles que vão ter maior dificuldade para se regularizar, que é o pequeno produtor”.
Para o produtor de carne Geraldo Pereira Maia, a rastreabilidade vai inviabilizar o comércio de carne na região. “Quando implantar isso, nem o GTA [Guia de Transporte Animal], o sujeito daquela terra, o dono daquele animal, vai ter. O Idaf não vai emitir. Vai travar (sic) a propriedade”, avaliou. “Isso será mais grave do que a queda dos seringais [crise da borracha] pela dimensão. Será a falência das pequenas cidades”.
MPF quer mostrar quais frigoríficos cumprem a lei
No material de divulgação, o Ministério Público Federal é claro sobre o objetivo da divulgação dos resultados parciais. “Além de indicar quais empresas estão atuando para promover e incentivar o respeito às leis e quais os resultados obtidos por elas, a divulgação desses indicadores é uma forma de estabelecer uma diferenciação entre os frigoríficos que se empenham nesse sentido e aqueles que atuam em desacordo com a legislação”.
Resumindo: o MPF está mostrando quem está cumprindo com o que se combinou, mediante a assinatura dos Termos de Ajustamento de Conduta.
“Serão divulgadas informações que permitam ao público saber como está o desempenho de frigoríficos que se comprometeram a atuar para garantir o respeito à legislação socioambiental na Amazônia, evitando adquirir animais com origem em áreas com desmatamento ilegal, trabalho escravo, invasões a unidades de conservação e a terras indígenas e quilombolas, ou sem regularização ambiental”, diz o MPF, “O objetivo é que a carne oferecida aos consumidores tenha origem legal” .
Criação de sistema é desafio para governo e produtores
Atualmente, o rebanho brasileiro é calculado em torno de 235 a 238 milhões de cabeças. O Uruguai, país onde há rastreabilidade e é referência no mercado da carne bovina, tem 12 milhões de cabeças. A Argentina, outra referência na produção de carne, tem um rebanho de 53 milhões. Só o estado do Mato Grosso tem algo próximo de 35 milhões de cabeças.
Esse gigantismo do rebanho brasileiro oferece referências para que se perceba a dificuldade de se implementar um sistema de rastreabilidade. O programa Carne Legal já tem 16 anos e, ainda assim, não há expectativa de que esse sistema seja implementado no curto prazo.
A Associação Brasileira de Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) tem contribuído com o Mapa na execução do Plano Nacional de Rastreabilidade Individual de Bovinos e Bubalinos. Foi criado um grupo de trabalho para formulação do sistema. Parece haver um consenso em torno da necessidade de adequação do segmento às exigências de um mercado externo a cada dia mais seleto, sobretudo quando se coloca em questão causas ambientais.
O desafio, no entanto, é encontrar uma solução para o pecuarista que lida com a pecuária de cria, descapitalizado, sem documentação regularizada da área onde produz o bezerro e, na maioria dos casos com algum tipo de embargo. É esse perfil de produtor que traz um problema grave a ser equacionado.
No Acre, de acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária, 74% dos produtores têm até 100 cabeças de gado na propriedade. Produtores com até 500 cabeças de gado abarcam o universo de 95% dos pecuaristas acreanos.
A recria e a finalização estão sob a responsabilidade de produtores que, geralmente, não tem restrições ambientais e de regularização fundiária. Mas a rotina do responsável pela base da cadeia de produção, o pequeno pecuarista, é bem diferente.